Afonso de Sousa Cavalcanti.
Professor de Filosofia, Sociologia e... na FAFIMAN.
O edital do vestibular de verão da Faculdade já estava disposto ao público. Os formandos do ensino médio procuravam ansiosos pelos cursos, pela data de inscrição e mais: queriam informações sobre os cursos, sobre suas grades curriculares. Oportuno foi o momento em que mais de 20 jovens se aproximaram da página que informava acerca do Curso de Letras.
Ali bem próximo do quadro do edital, sentado e com os braços apoiados sobre uma mesa, estava o velho professor de latim daquela instituição. O mesmo se levantou e foi até os jovens e os cumprimentou. Dirigindo-lhes a palavra foi dizendo:
- Bem vindos a esta casa de ensino! Muitos já atravessaram o caminho por aqui e hoje são bem sucedidos. O curso que vocês observam tem por finalidade formar licenciados e pesquisadores em Letras. O forte deste curso é a nossa língua. Aprender a língua é desenvolver diversas habilidades que vão da simples observação – nas formas de ler, interpretar e transmitir – até à linguagem mais complexa: abrangendo literaturas, teorias literárias, línguas estrangeiras, além dos mecanismos diversos da linguagem, ora vistos pelos lingüistas, ora cobrados pelos gramáticos. Vocês ainda não me conhecem. Apresentando-me a todos, informo-lhes que no momento sou professor da Língua Latina e de Literatura Latina. Tenho a maior paixão pelo que ensino. A língua latina e os clássicos latinos são minhas raízes, neles me realizo. Quando tenho dúvidas, recorro a eles e confesso-lhes que tenho respostas imediatamente.
Entusiasmado pela fala vibrante do professor, Marcos puxou conversa com ele e procurou retirar dele algum conhecimento. Foi dizendo:
- Meu pai é advogado. Volta e meia vejo seus processos. Constantemente ele usa termos latinos. Disse-me ele que os advogados novos já não mais aprendem o latim, pois este é uma língua morta.
O mestre ouviu o futuro aprendiz e dialogou calmamente com ele:
- Gostei de ver, meu rapaz! Vejo que já se interessou pela matéria. A língua latina é a mãe da língua portuguesa, portanto é sua alma. Sem que compreendamos a raiz das palavras, nosso raciocínio ficará truncado. Procurem ouvir o que vou dizer. Irei ensinar alguns aforismas e os repetirei duas vezes para que os mesmos possam ser gravados em suas memórias. Assim que eu apresentá-los por duas vezes, farei sua tradução para o português.
Com muito respeito e simbolismo, o velho professor pára por alguns segundos e se coloca em posição de contemplação – digamos, aquela posição que os patriotas se põem no momento em que entoam o hino de sua pátria. A concentração é tudo para que o ator – neste caso, o professor de latim – possa pronunciar as sentenças e motivar os futuros acadêmicos de letras. O latim bem falado soa gostoso nos ouvidos dos meninos. O mestre, fazendo como se fosse um aperitivo, pronunciou:
- “Dura lex, sed lex”, “Dura lex, sed lex”. (A lei é dura, mas é a lei).
- “Hodie mihi, cras tibi”. “Hodie mihi, cras tibi”. (Hoje para mim, amanhã para ti).
- “Homo homini lupus”. “Homo homini lupus”. (O homem é lobo do homem).
Ouvindo a boa pronúncia do professor, os estudantes pediram àquele que os recepcionava para que dissesse mais aforismas. O mestre empolgado resolveu dizer frases mais consistentes e com forte cunho moral. Sua voz foi ouvida por mais pessoas de forma que ele se entusiasmava cada vez mais:
- “Ocasio facit ferum”. “Ocasio facit ferum”. (A ocasião faz o ladrão). O sujeito, por errar uma vez, por roubar o tempo ou a mercadoria, e não ser corrigido, continuará errando. Errará tanto que seu bom senso entrará em desuso;
- “Imperium habere vis magnum? Impera tibi”. “Imperium habere vis magnum? Impera tibi”. (Queres ter um grande poder? Governa a ti mesmo). O poder está em nós mesmos, em nossos sentidos e racionalidade. Está no cumprimento do dever e no exercício do direito;
- “Mens in corpore tantum molem regit”. - “Mens in corpore tantum molem regit”. (É o espírito que rege o corpo). Sem a racionalidade, nossas ações são puramente animalescas. Agimos como lobos e apenas experimentamos desejos, se não dermos conta de que a racionalidade é extremamente necessária.
Os três últimos aforismas ensinam sobre o animal político que todos nós somos. A ocasião também faz o que é vigilante, basta procurar o poder em si mesmo e deixar que sua alma intelectiva governe plenamente.
Interessante! O vestibular chegou, as aulas foram aos poucos sendo ministradas. Os professores demonstravam saber, principalmente os professores de língua portuguesa e de Filosofia que faziam questão de diferenciar com precisão as definições e os conceitos; de acertar nos mínimos detalhes as palavras e as sentenças mais significativas. Quase sempre buscavam os significados mais profundos nas raízes dos termos, bem juntinho das línguas grega e latina. De forma que os acadêmicos tinham nas veias sanguíneas o provérbio latino: “Nemo dat quod non habet” (Ninguém dá o que não tem). Sinceramente, as frases são construídas com erros gramaticais; as idéias são confusas; a linguagem falta com sua finalidade. Isto ocorre porque aquele que transmite não possui o objeto da comunicação, ou seja, o pensamento bem construído.
O tempo decorreu. Janeiros vieram e aqueles acadêmicos, agora professores pós-graduados, retornam como egressos para a festa de sua instituição de ensino. Não mais encontram o professor de latim – a instituição aboliu da grade curricular a disciplina de língua latina –, pois o latim é desnecessário, afirmam os dirigentes daquela faculdade. O latim caiu no esquecimento Com ele também se foram os clássicos filósofos e a disciplina de Filosofia. O velho mestre somente ficou na saudade, como um mito que apenas é ouvido por quem sabe referenciar a mãe de nossa língua pátria.
Sem medo de defender o que é forte, o que é cultura, reproduzo o som que ainda está em minha memória: “Alia jacta est”.(A sorte foi lançada”; “Veni, vidi, vici”. (Vim, vi, venci). Quem sabe, as novas estratégias de difundir a língua e de cultivar o saber, sejam muito eficientes e valha a pena afastar-se das raízes históricas!
Entre o certo e o errado não existe um meio termo. Penso no ensinamento de Ovídio: “Vídeo meliora proboque, deteriora sequor”. (Vejo a melhor solução e a comprovo, mas sigo a pior). Deixar os ensinamentos da língua latina e da filosofia para trás, parece-me a pior solução.
Ali bem próximo do quadro do edital, sentado e com os braços apoiados sobre uma mesa, estava o velho professor de latim daquela instituição. O mesmo se levantou e foi até os jovens e os cumprimentou. Dirigindo-lhes a palavra foi dizendo:
- Bem vindos a esta casa de ensino! Muitos já atravessaram o caminho por aqui e hoje são bem sucedidos. O curso que vocês observam tem por finalidade formar licenciados e pesquisadores em Letras. O forte deste curso é a nossa língua. Aprender a língua é desenvolver diversas habilidades que vão da simples observação – nas formas de ler, interpretar e transmitir – até à linguagem mais complexa: abrangendo literaturas, teorias literárias, línguas estrangeiras, além dos mecanismos diversos da linguagem, ora vistos pelos lingüistas, ora cobrados pelos gramáticos. Vocês ainda não me conhecem. Apresentando-me a todos, informo-lhes que no momento sou professor da Língua Latina e de Literatura Latina. Tenho a maior paixão pelo que ensino. A língua latina e os clássicos latinos são minhas raízes, neles me realizo. Quando tenho dúvidas, recorro a eles e confesso-lhes que tenho respostas imediatamente.
Entusiasmado pela fala vibrante do professor, Marcos puxou conversa com ele e procurou retirar dele algum conhecimento. Foi dizendo:
- Meu pai é advogado. Volta e meia vejo seus processos. Constantemente ele usa termos latinos. Disse-me ele que os advogados novos já não mais aprendem o latim, pois este é uma língua morta.
O mestre ouviu o futuro aprendiz e dialogou calmamente com ele:
- Gostei de ver, meu rapaz! Vejo que já se interessou pela matéria. A língua latina é a mãe da língua portuguesa, portanto é sua alma. Sem que compreendamos a raiz das palavras, nosso raciocínio ficará truncado. Procurem ouvir o que vou dizer. Irei ensinar alguns aforismas e os repetirei duas vezes para que os mesmos possam ser gravados em suas memórias. Assim que eu apresentá-los por duas vezes, farei sua tradução para o português.
Com muito respeito e simbolismo, o velho professor pára por alguns segundos e se coloca em posição de contemplação – digamos, aquela posição que os patriotas se põem no momento em que entoam o hino de sua pátria. A concentração é tudo para que o ator – neste caso, o professor de latim – possa pronunciar as sentenças e motivar os futuros acadêmicos de letras. O latim bem falado soa gostoso nos ouvidos dos meninos. O mestre, fazendo como se fosse um aperitivo, pronunciou:
- “Dura lex, sed lex”, “Dura lex, sed lex”. (A lei é dura, mas é a lei).
- “Hodie mihi, cras tibi”. “Hodie mihi, cras tibi”. (Hoje para mim, amanhã para ti).
- “Homo homini lupus”. “Homo homini lupus”. (O homem é lobo do homem).
Ouvindo a boa pronúncia do professor, os estudantes pediram àquele que os recepcionava para que dissesse mais aforismas. O mestre empolgado resolveu dizer frases mais consistentes e com forte cunho moral. Sua voz foi ouvida por mais pessoas de forma que ele se entusiasmava cada vez mais:
- “Ocasio facit ferum”. “Ocasio facit ferum”. (A ocasião faz o ladrão). O sujeito, por errar uma vez, por roubar o tempo ou a mercadoria, e não ser corrigido, continuará errando. Errará tanto que seu bom senso entrará em desuso;
- “Imperium habere vis magnum? Impera tibi”. “Imperium habere vis magnum? Impera tibi”. (Queres ter um grande poder? Governa a ti mesmo). O poder está em nós mesmos, em nossos sentidos e racionalidade. Está no cumprimento do dever e no exercício do direito;
- “Mens in corpore tantum molem regit”. - “Mens in corpore tantum molem regit”. (É o espírito que rege o corpo). Sem a racionalidade, nossas ações são puramente animalescas. Agimos como lobos e apenas experimentamos desejos, se não dermos conta de que a racionalidade é extremamente necessária.
Os três últimos aforismas ensinam sobre o animal político que todos nós somos. A ocasião também faz o que é vigilante, basta procurar o poder em si mesmo e deixar que sua alma intelectiva governe plenamente.
Interessante! O vestibular chegou, as aulas foram aos poucos sendo ministradas. Os professores demonstravam saber, principalmente os professores de língua portuguesa e de Filosofia que faziam questão de diferenciar com precisão as definições e os conceitos; de acertar nos mínimos detalhes as palavras e as sentenças mais significativas. Quase sempre buscavam os significados mais profundos nas raízes dos termos, bem juntinho das línguas grega e latina. De forma que os acadêmicos tinham nas veias sanguíneas o provérbio latino: “Nemo dat quod non habet” (Ninguém dá o que não tem). Sinceramente, as frases são construídas com erros gramaticais; as idéias são confusas; a linguagem falta com sua finalidade. Isto ocorre porque aquele que transmite não possui o objeto da comunicação, ou seja, o pensamento bem construído.
O tempo decorreu. Janeiros vieram e aqueles acadêmicos, agora professores pós-graduados, retornam como egressos para a festa de sua instituição de ensino. Não mais encontram o professor de latim – a instituição aboliu da grade curricular a disciplina de língua latina –, pois o latim é desnecessário, afirmam os dirigentes daquela faculdade. O latim caiu no esquecimento Com ele também se foram os clássicos filósofos e a disciplina de Filosofia. O velho mestre somente ficou na saudade, como um mito que apenas é ouvido por quem sabe referenciar a mãe de nossa língua pátria.
Sem medo de defender o que é forte, o que é cultura, reproduzo o som que ainda está em minha memória: “Alia jacta est”.(A sorte foi lançada”; “Veni, vidi, vici”. (Vim, vi, venci). Quem sabe, as novas estratégias de difundir a língua e de cultivar o saber, sejam muito eficientes e valha a pena afastar-se das raízes históricas!
Entre o certo e o errado não existe um meio termo. Penso no ensinamento de Ovídio: “Vídeo meliora proboque, deteriora sequor”. (Vejo a melhor solução e a comprovo, mas sigo a pior). Deixar os ensinamentos da língua latina e da filosofia para trás, parece-me a pior solução.
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