sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Sob a luz do sol da tarde


dema

No palco da vida inda sou protagonista. Percebo, de repente, que meu linguajar vai, aos poucos, tipificando-se. Por mais me esforce a empregar os verbos no presente e no futuro, deparo-me com a predominância do passado. Vejo aí sinonímia com senectude. Posto isso não me deprima, me entristece. Toca-me o vislumbre do ‘termo ad quem’ de minha efemeridade.
Sinto dourar-me a luz do sol da tarde.

Enquanto se dão as rotações nas translações, vou angariando amigas vitalícias, para, juntos, eu, artrose, hipertensão, trombofilia e surdez, darmos boas-vindas à aurora de cada manhã restante. Indubitavelmente outras virão se unir ao grupo, com o intuito de participarem do ápice dessa tragicomédia vital, a preceder o fechamento das cortinas com choro e plausos.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Opostos

dema


A mim parece que nasci após a vida.
Não sei por quê diviso-a sempre pelo avesso,
seja, partindo-se do fim para o começo,
tal qual ter, antes de chegar, a despedida.

Sem ilusão, motivo de lançar-se à sorte,
ganhar coragem pra jamais temer na vida,
primar-se fundo por cautela e galhardia,
ao confrontar, sem desespero, a própria morte.

Nego juízo a esse prisma extravagante.
Vejo-me apenas como um dado do universo.
Lá bem no fundo, sou só um poeta errante
a rir da vida pelo instrumento do verso.

Mas d’outro lado, bem sei, ela se apresenta
como a princesa do maior sorriso aberto,
sereia incauta, galhofando da tormenta,
ao mar se lança como um escravo neoliberto.

A pose insigne de moçoila oriental,
em vestes soltas festejadas pelo vento,
na liberdade, eis o mais nobre sentimento,
evoca a foto, para fim parietal.

Com alma plena de tanta felicidade,
esbanja paz, muita energia e juventude;
corpo dourado pelo sol sem castidade
orna a paisagem em latitude e longitude.

De um lado, o fim, que mal enxerga seu começo;
de outro, o início, em saudação ao dom da vida;
figura estranho que um ao outro tenha apreço,
é que os contrários se atraem em desmedida.






segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Nunca só


dema

Meu estar só é jamais solitário.
Vem a mim quem eu queira mentalmente,
quer em sonhos,
imaginação,
quer pelas ondas do pensar.
Nem dormindo me acho só.
Dou asas ao pombo-correio-sonho
que a intima a portar, até mim,
sua solidão.
Não se negue que o estafeta aja
nem que recusável se faça a intimação.
Construímos, então, a paz envolvente,
ao calor dos recíprocos afagos ternos
que nos tangem o coração.
Só há tristeza se as juntamos numa,
a minha e a dela
– efêmera, porém -,
pois, compartilhada,
divide-se e se esfacela.
E a luz suave da paz nos invade,
amantes,
para o deleite da solidão conjunta.

EM DEMASILVA

Ocaso


dema

Nada agradável enfrentar o ocaso:
sofrível, quando da ascensão não há remorsos,
mas, se os há, insuportável;
vive-se a esperança por consolo,
a debilidade rejeitada,
o desprezo travestido de amabilidade,
as rugas substitutas do viço vencido.
Ou se tem a vida repentinamente interrompida,
ou se vê cumprir-se o fado humano:
aspirar, o espírito, arrimar-se à eternidade
(sabe-se lá  se com ou sem sucesso)
e putrificar-se o corpo pra retorno ao pó.