terça-feira, 29 de julho de 2014

Palavra


dema

Não é para explicar, mas posso...

A temática do último “SARAU GOTAS POÉTICAS”, uma realização da Assis Editora, em 31/07/14, foi “Encanto pela palavra”. Isso me levou à reflexão e, como resultado, à produção do poema abaixo. Neste, quatro alusões transparecem.
A primeira é ao poeta, que encontra na palavra sua ferramenta de trabalho. Sensível à beleza das coisas, dos sentimentos e das pessoas, usa da palavra para expressá-la, tocando a mente e o coração dos leitores.
A segunda direciona-se à pessoa humana. A palavra traduz espiritualidade, atividade além da matéria. A palavra é diferencial do ser humano em relação aos demais seres vivos. Só ele fala. Não é por menos que Michelangelo, após esculpir o profeta Moisés e, verificando quão perfeita ficara sua obra, teria vislumbrado que o mesmo muito se aproximava do real, faltando-lhe tão só a vida, que, no caso, se identificaria com a fala. Daí, talvez, num momento de alucinação, teria tocado o mármore frio, porém, com toda semelhança de homem, e insistido: Perché non parli?
Outra alusão presente é feita, sob ótica religiosa, à revelação de Deus aos homens. Aqui, palavra significa revelação. Deus amou tanto a humanidade que, embora esta tenha d’Ele se afastado pelo pecado (autonomia, orgulho, desobediência), não a abandonou. Quis redimi-la e o fez enviando seu filho ao mundo para, encarnado, salvá-la pela morte de cruz. Cristo vem como a revelação do Pai ( 1º - Versículo 7 – “Se vós me tivésseis conhecido, conheceríeis também a meu Pai. Desde agora o conheceis e o tendes visto.”).
O fragmento seguinte, do Pastor Danilo Figueira, encontrado em http://www.comcrist.org/edificacao/palavra-profetica/o-verbo-se-fez-carne-e-habitou-entre-nos/ , explicita, com clareza o que ora se diz:
(E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.  João 1:14
Os primeiros versículos do Evangelho de João lançam luz na eternidade passada: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele e sem Ele nada do que foi feito se fez”. Essas expressões se referem a Jesus em seu estado eterno. Ele é o Logos de Deus, a Palavra que operou a criação de tudo o que existe no Universo. Elas revelam a grandeza, o poder, a divindade do Unigênito do Pai. Aquele que não teve começo e nunca terá fim, o Alfa e o Ômega, o que tem o poder de fazer vir à existência o que não existe.)
Cristo se apresenta, pois, como a revelação do amor de Deus (Pai) aos homens.
Finalmente, a referência ao valor da palavra na relação de amor entre duas pessoas. Por mais que se amem e que esse sentimento seja demonstrado por gestos e atitudes, os amantes precisam “declarar” esse amor. Enquanto um não diz ao outro “Bem, como eu te amo”, o casal não se acha pronto a assumir com seriedade a relação, em geral firmando-a num contrato. A palavra presta-se à convicção de validade do sentimento, ensejando efeitos jurídicos inclusive.



Se me atrevo a ser poeta,
não pareço, às vezes, santo,
persigo o belo por meta
nas palavras com que o canto.

_Que estátua perfeita e bela!
Não há dúvida, estás pronto.
Então, homem, te revela,
não me faças mais de tonto!
Ante ti ‘stou tresloucado.
Ergue-te de vez, Moisés,
não fiques aí sentado!
Humano bem sei que és.
Diz alô pra que eu me cale!
Andiamo! Perché non parli?

Além de revelação,
o que falar da palavra,
se até o Verbo se fez carne
para a nossa salvação?
Deus não nos mandou às favas
nem nos tratou com escárnio,
diante do pecar de Adão.

E sem o concreto hablar
“_ Como te amo, minha flor! “
jamais irão se enlaçar
dois corações por amor.

DEMASILVA

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Esperada chuva

dema

(A chuva sobre o telhado, caindo mansa,  
evoca-me, de aconchego, ternas lembranças.
À razão peço arrego e então me entrego inteiro
a aspirar o cheiro dela em meu travesseiro.
Acalanta-me a imagem do seu lindo rosto
que em sonho vejo, ao colo que beijei com gosto.)


Torneira oclusa no céu.
Mil rezes morrem de sede,
homens em ‘spera na rede,
fedem suor seus chapéus.
Mulheres acendem vela.
Onde a graça da novela?
Vasilhas sujas na pia,
idas diversas à cruz
pra aguar-lhe o pé na certeza
de que, mais ou menos dia,
ouvir-nos-ia Jesus,
nosso irmão por natureza.
Eis que chega de mansinho
e até com certo carinho;
faz a calçada vermelha
com barro a correr meloso
do telhado, telha a telha.
Como Cristo é generoso!
Descendo, a umidade mela
meus olhos secos e tristes
inda sujos de remela
que ao pano enxuto resiste.
Depois só riso, alegria,
ao ouvir de novo o canto
das aves que bem sabiam
qual a razão desse pranto.
Sê bem vinda, chuva fria,
vem e faz mui verde a grama.
Quanto a mim, chamo à folia
meu amor pra minha cama.

DEMASILVA

quarta-feira, 16 de julho de 2014

À espreita

dema


Em desamor,
deste corpo inquilina,
aniquila-se a alma,
ainda menina,
à dor
do viver por viver.
Fosse aquela, da vida, senhora,
estaria de há muito fora.
Em anglicana postura,
vigilante instinto
do animal-criatura,
guarda-a, sem cochilo,
e obsta-lhe a partida.
Espreita silente,
o fugidio espírito,
que se concretize
o menor deslize,
pra, sem qualquer adeus,
voltar aos seus.

DEMAISILVA

terça-feira, 8 de julho de 2014

Rotineiro


dema


Ela já não mais me ama
e por isso não me quer;
rejeita-me até na cama,
nega-se minha mulher.

Lembro o dia em que me disse:
“Te amarei por toda a vida,
mesmo que chegue a velhice,
serei sempre tua querida.”

Mas passaram-se os anos
e com eles todo o amor;
ficaram só desenganos,
pétalas soltas da flor.

A rotina sem afagos,
as raras juras vazias
provocaram mil estragos
na relação dia a dia.

O sonhar felicidade
junto à carência de afeto
hão levar, não por maldade,
à procura de outro teto.

E por que não novo elo
no lugar do que se fora,
cuidar dele com mais zelo,
sendo eterna sedutora?

Nisso lhe desejo sorte,
que nenhum mal lhe aconteça.
De meu turno, até a morte,
hei de quebrar a cabeça.



domingo, 6 de julho de 2014

Com o tempo

                                dema

Em névoa do ciclo lento,
porquanto na vida ando,
para alento ou desalento,
vislumbro de vez em quando
dois olhos negros e tristes
num rosto moça –menina;
viço que aos anos resiste,
imagem que me fascina,
porque na mente não existe
prazo que a tudo madura
mesmo se a labuta dura.
Buscando ser gente grande,
autônoma  e diletante,
guerreira, não desanima;
ágil, diligente, bela,
pintura em límpida tela
colada em minhas retinas.
Pra surpresa e desencanto,
revê-la me trouxe pranto:
só pele cobrindo os ossos,
(quão magérrima figura!)
com ou sem uns padres-nossos,
nos volteios da ciranda,
foi-se toda a formosura,
a prova por evidência,
que no tempo a idade anda,
prescindível previdência.
Inda o triste dos seus olhos,
decerto seu documento,
causa o choro com que molho
o poema do momento.

DEMAISILVA

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Lá longe, o amor


dema

Mágoa escorre dos olhos
em turvo espelho de face enojada,
sujeira fétida brotada d’alma,
ego ferido, gigante execrado,
simples “não” o culpado.
Vômito acionado no ouvir “amor”,
em fornalha ódio, rancor.
Arma maldita, pois ineficaz,
senão a vazar peito próprio
e arrochar a dor.
Antes irônica indiferença
que à relação põe fim,
se em protelá-la o egoísmo insiste.
Ah, houvesse autonomia à venda
pra vestir desejos e vontade
e em surto acometer a eclosão do
_ Basta!  Adeus!

DEMASILVA