terça-feira, 26 de novembro de 2013

Duplo desprezo

dema

Tão de repente,
saíste da bruma do tempo
e confidenciaste que muito me amaras,
amor puro, inocente, meio juvenil-adolescente,
a mim, porém, tu não te mostraste.
Palavras presentes
de recordações distantes,
um tanto quase apagadas.
Trouxeste um afago ao meu ego carente,
a imaginá-la de há muito perdido
sem que jamais a tivesse tido.
E uma segunda vez,  te foste,
─ sabor ácido de despedida inesperada ─,
levando-me  a crer melhor o fosse
“que longe de mim continuasses calada”.
A lembrança doce permanece.
O duplo desprezo, segunda pedrada,
diz desprazer no rever, atualizada, 
a figura que sempre trancada guardaste.

Lembranças abstratas


dema

Tal o timbre de sua voz misturado ao de outras tantas,
pelo saguão do tempo, seu rosto-imagem se perdeu,
como se por densa névoa tivesse se afastado.
O retrato vivo aos poucos virou passado,
restando apenas as lembranças abstratas:

dos trejeitos colegiais (impulsivos, excessivos);
dos ciúmes que tivera (muitos sem motivo algum);
dos receios de abandono (o que eu nunca propusera);
do sonhar de vida a dois (eterna visão futura);
da meiguice inconfundível (que eu muito admirava);
da ternura desmedida (por mim tanto desejada);
dos afagos benfazejos (quando a mim quase colada);
dos mil beijos prolongados (que me ardiam as entranhas),
conduzindo-me ao desejo de uma entrega consumada.

Sua alma quase sempre perambula em minha mente.
Melancólico, me atrevo em abraçá-la com doçura.
Como a imagem esmaecida de seu rosto pela bruma,
nos meus braços não a sinto e me acho com loucura.

Correram-se os anos pelo tempo,
com eles o intenso amor-presença.
Sobram-me, pois, para não esquecimento,
as lembranças abstratas,
com as quais eu me contento.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Enlevo

dema

Meu espírito se enleva no encontro com as coisas belas:
·        a ave livre a planar no céu azul com esparsas alvas nuvens;
·        o cintilar das incontáveis estrelas plantadas no infinito espaço-véu das noites enluaradas;
·        a gota cristalina pousada sobre a pétala encarnada desprendida ao orvalho da manhã, qual diamante a reluzir o brilho do sol que se alevanta;
·        imaginar o giro célere dos elétrons sobre o núcleo dos átomos sem jamais se colidirem;
·        idealizar a forma como os voltaicos bits se instalam, se organizam e se preservam num cartão de memória digital;
·        as águas transparentes e cantantes que descem saltitantes a cascata em meio à mata verdejante;
·        o vento que, à noite, uiva e penetra minha janela à beira-mar;
·        o mergulho da gaivota em caça à presa para o almoço;
·        a neve cobrindo o gorro da menina e a alvejar o seu casaco;
·        a força do pensamento que molda a decisão pelo sim ou pelo não;
·        a fragilidade do coração que se dobra ao império do amor e da paixão;
·        o corpo nu da donzela ao banho sob as carícias das espumas do perfumado shampoo.

Inebria-me a alma o sentir a tua entrega, o cafuné por tuas mãos aveludadas e o doce sabor dos teus quentes lábios.
Inebria-me a alma poder fazê-la feliz, quem sabe para a eternidade.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Eroscracia mental


dema

És a corça cismada em fuga veloz;
eu, felino voraz, no encalço e atroz.
Resumindo o eterno a não mais que momento,
te alcanço e possuo, em carnal pensamento:
tanger com carícias teu corpo violino,
pois de ti dimana ressoar cristalino.
Da cabeça aos pés, inteira te “lambeijo”,
a pele morena, jambo aveludado,
que meus olhos comem, bastando que eu esteja
mirando-te frágil, jacente ao meu lado.
Minh’ânsia encrudesce de tomar-te a gosto,
no ser eu todinho por ti devorado.
Teus negros cabelos cobrindo meu rosto,
meus lábios nos teus longamente colados.
E a sanha animal levando ao frenesim,
o meu corpo no teu e o teu corpo em mim.
Esqueço aonde foram nossas almas santas,
(dos corpos em chama logo se alevantam)
ou se ainda portas tua aura inocente
pra diante do medo fazê-la plangente,
um querubim puro desde pequenina,
moldando-a tão digna e afável menina.
Corpo fervente, por sobre mim adejas
e vibras com gritos de orgasmo e a gemer.
Em transe me sinto e aguardo que seja
porquanto perdure esse nosso prazer.
Cumprindo o destino e juntando metades,
quiçá Deus previra desde a eternidade,
e o que no presente então nos alucina,
quer na terra ou no céu, nem Ele abomina.





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sábado, 9 de novembro de 2013

SAUDADE E LEMBRANÇA (republicação)

dema

Do presente aos anos de criança,
voltam,  reavivando virtual,
de mãos dadas, saudade e lembrança,
fatos,  feitos de um mundo real.

E nessa jornada em correria,
vezes brigam, outras riem, choram,
não raro usando de zombaria,
pra dar vida a alguns casos de outrora.

Lembrança dos folguedos de infância,
dos amigos de igreja e de bola,
das meninas, Suzete e Constância,
dos beijinhos na porta da escola.

Saudade intensa do amor primeiro,
embora breve, mui palpitante;
se bem inocente e alvissareiro,
eternizou-se assaz importante.

Dos sinistros a memória é curta,
dos amores as visagens fartas,
como fartas as cercas de murta
no sonhar dos meninos de Esparta.

Se há lembrança do torrão natal,
vem no peito bater a saudade
da gente alegre, sem outra igual,
adultos, guris, qualquer idade.

Recordações de bailes, serestas,
brigas, casórios, cantos e festas,
dos causos, lendas e das canções
e apertando vão-se os corações.

Tristeza - causa a lembrança fúnebre -,
lágrimas rolam, caem no chão;
mesmo não sendo pessoa célebre,
finca uma flecha no coração.

Onde é que mora então a saudade,
pois a memória brota na mente,
se quando bate o coração sente,
e vem mexer co’a felicidade?

...



Ler em demaisilva

Memórias - entre a prosa e a poesia (lançamento conjunto)

Vale conferir esta reportagem:
http://www.correiodeuberlandia.com.br/entretenimento/saudade-e-inverno-inspiram-livro-de-escritores-uberlandenses/

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Tua geografia

dema

Quão me excita e delicia
estudar tua geografia.

Topógrafo de carreira,
pesquiso teus acidentes,
morros, curvas e ladeiras,
o que há igual e diferente.

Não desdenho de tuas matas
nem das minas de teus olhos,
tuas lágrimas são prata
ao correrem dos abrolhos.

Teus tremores, quais abalos
que os sismógrafos apontam,
por vezes me amedrontam
e em minh’alma rasgam valos.

Em torno de tua bacia,
há caverna e orifício,
que exploro com alegria,
longe qualquer sacrifício.

Sou adicto, noite e dia,
da tal espeleologia.

Quero descobrir, no ensejo,
donde o mel de tua boca,
que adocica meus desejos,
provocando-me ânsia louca.

Busco conhecer também
o que em teu peito palpita,
pois no meu bate tão bem
coração de ex-eremita.

Quanto mais eu me esforço,
teu corpo me desafia.
grito sem nenhum remorso:
amo a tua geografia.


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Tatuagem

Tatuagem
dema

O que penso sobre tatuagem? Detesto, como qualquer tipo de marca ou máscara. Aliás, não trabalho em circo nem minha vida é um baile à fantasia. A natureza é muito sábia e nos deu um corpo limpo e belo. Como é maravilhoso um corpo nu, desnudo de todo e qualquer artifício imperfeito!
Se acaso eu fosse detentor de algum defeito físico externo que pudesse constranger as pessoas à minha volta, tentaria uma reparação por intervenção cirúrgica. Ainda que para inibi-lo, jamais ousaria escondê-lo com uma tatuagem. Não nasci com vocação para capa e miolo de gibi.
Tenho comigo que estigmatizar o corpo é exibir a breguice interior, demonstrar o inconformismo com a imagem original. Gosto de mim mesmo e de minha imagem. Não preciso de estereótipos para impingir minha personalidade. Sou muito eu, com grande orgulho. Não é à toa que costumam marcar o gado para identificar o seu proprietário.
Toda comparação traz algo de vesgo, mas, noutras palavras, houve quem dissesse com muita propriedade no Face: “Haveria alguém tão besta a ponto de colar um adesivo na própria Ferrari?”
Isso é o que penso, todavia respeito o direito “dos que pensam” de pensarem e agirem diferente.