quinta-feira, 19 de maio de 2016

O tempo e as águas da vida


dema

Inda me lembro vê-lo a transbordar,
o vento levantando as águas e jogando-as contra a orla,
no simultâneo balanço das palmeiras marginais
então sacudidas de sua inércia do meio dia;
o mergulho das aves no artístico pega-pega,
garças e tuiuiús à espera do lanche, numa perna só;
as capivaras na poda da grama de beira
e, no meio das águas, mais vida: cágados, piranhas, pacus;
o arranque veloz dos predadores pra engolir as presas,
e, destas, os extensos voos aéreos de escape;
o sol espelhado na areia prata de fundo,
com reflexos inconfundíveis de gangorra;
o jacaré sonolento na rasura, poleiro do pássaro preto.
Era vida, era vento, era sol, era chuva, era água, era festa.

Mas a roda do tempo escasseou as chuvas,
minguou as águas e, aos poucos, foi drenando a vida:
levou a força dos movimentos, aprisionou o vento;
varreu a juventude, os sonhos, as nuvens,
os amores, as aves, as sereias.
Devagarinho foi secando a esperança,
como se luz opaca de estrelas no claro da manhã.
Lá se vão as águas, vai-se a vida.
O tempo drena-me as águas,
expõe-me ao escaldante sol das três,
racha o solo fundo onde vivera o lago.
O tempo drena-me a vida.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Elucubração pos mortem




Meu desejo, hoje, é de, quando morrer, ser cremado. Que quem de direito faça das cinzas aquilo que melhor lhe aprouver. Pelo que me conheço, presumo que, na eventual hipótese de acordar enferetrado, não teria calma suficiente para aguardar a remorte. Enquanto não se implanta um sistema amigável de alarme em cemitérios, com interligação da central a cada terminal mortuário (túmulo ocupável), o crematório se me afigura a opção mais segura. 
dema)

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Entre deusas do Olimpo


dema



Quantas vezes me deixei embebedar por tua imagem,
mergulhando no algodão das densas nuvens vespertinas;
tentei mesmo esporear vários cometas de passagem,
com o intento de portarem-me veloz a ti, menina.

Ter-te nos meus pensamentos era só um aperitivo
do banquete saboroso com que me receberias;
nada obstante isso amainasse meus anseios primitivos,
trouxe novas esperanças de que minha então serias.

Que emoção maravilhosa quando te encontrar eu pude,
à minha alma, fez sorrir raio de sol pela manhã;
abalando as estruturas de uma quase senectude,
repicou-me o coração quais os ribombos de Tupã.

No teu colo vim saciar velho desejo de mistério,
absorver o quente orvalho a minar de saudáveis pomos,
embrenhar-me em teus cabelos, cela de meu monastério,
e entregar-me a tuas carícias como sói ao monge em sonhos.

Sim, irei sugar-te o néctar porque vindo das estrelas,
com sabor suavizado pelo brilho do luar,
e a felicidade tua, com certeza, há de entretê-las
pra deixarem-me ofuscado com a luz de teu olhar.

Sou ginete aprisionado no teu jeito de princesa,
não me cansa o suspirar por esse viço juvenil,
enlaçado nos abraços me excito com presteza
e me vejo amante moço condizente ao teu perfil.

Meus afagos são carícias feitas em mechas de rosa
decepada dos espinhos e de gotas revestida,
que, lambendo-as, eu a seco, faço-a inda mais formosa
e entre as deusas do Olimpo, te terei por escolhida.




quarta-feira, 11 de maio de 2016

Terra arrasada


dema

Meus olhos voltados pro Oriente
põem-me a meditar muito triste;
estariam os homens dementes
ou a barbárie realmente existe(?)

Rolam cabeças de tanta gente;
foi Lúcifer ou Hades que o quis?
Há de ser ente humano inclemente
com a toga de um falso juiz.

Qual crença tola, assaz assassina,
que empunha o sabre pra vil chacina?
Não seria, por certo, em Alah,
deus nenhum determina matar.

Quem os infiéis, quem os  apóstatas,
quem? Quem o verdadeiro Abdaláh?
Pelo que bem vês e então constatas,
alguém precisa vir  explicar.

Ante nós cruel carnificina,
não se sabe quem obstá-la possa.
Quantos deixados à própria sina,
à morte entregues sob vista grossa!

Aos céus ascendem almas mirins,
almas de mulheres e de idosos,
vestindo o pó dos escombros novos
do que o bombardeio ora pôs fim.

Terra arrasada, chão cadavérico,
do sangue podre por ódio ingente,
que clama aos deuses, no agir colérico,
vingar a morte dos inocentes.