quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Elã

 


dema

 

 

Uma dor de adaga cravada no peito,

a ausência tua na minh’alma implanta;

dera Deus, à morte, tamanho direito

de roubar-te a vida e me levar ao pranto?



Ponho-me a pensar e nunca compreendo

esse elã estranho que impulsiona o ser;

depois, num piscar, o que se achava sendo

faz-se então inerte para apodrecer.



Eis que apavorante, desesperador,

é saber que hoje, talvez amanhã,

quem te alegra a vida, quem te dá amor,

irá te deixar sozinho no divã.



Será covardia querer ir primeiro

e assim evitar a dor da ausência tua

ou eu sobreviver, tendo a alma nua,

quando já estiveres noutro paradeiro (?)

 

 

 

Viral

 


dema

 

Só com passagem de ida,

a poesia pega o trem.

Ocorre o mesmo co’a vida,

durando, esvai-se também.

 

Em tempos de calabouço,

mui longe as musas das artes,

apenas suspiros ouço,

na história de duas partes.

 

Vão-se os velhos e fracos

e os que não bolam pra sorte;

muitos escapam aos cacos,

do firme abraço da morte.

 

Agora é Nênia quem canta,

Euterpe só nos anais,

sequer a saudade espanta

para afastar nossos ais.

 

Resta uma luz no horizonte,

que, ao fim desta pandemia,

de novo a vida desponte

plena em saúde e alegria.

 

 

 

 

Retorno a destempo

 

dema

 

Chegaste a destempo, apesar de arrependida,

Olvidavas o bater do meu coração

que, magoado e triste, buscava sobrevida

enquanto desprezavas a minha paixão.

 

Julgavas encontrar-me de braços abertos

no aguardo de beijar os teus pés de princesa,

contudo, te esqueceste da minha nobreza

que nunca se curvara ante amores incertos.

 

Por tempo em excesso fora teu abandono

e ao retornares, é claro, não mais te quis.

Auspicioso amor já se fizera dono

deste âmago sofrido, assaz infeliz.

 

Mudaste o destino, quebraste tua jura.

Ora pedes perdão. Não te dou. Te despeço.

E na meia volta, hás de chorar amargura,

inda que não me deleite o teu insucesso.

 

Longe qualquer juízo desta negativa,

uma vez que, do afeto, difere a razão

e nada me garante que outra tentativa

resulte em neo amor com a mesma emoção.

 

 

 

 

Apenas flash

 

 


dema

 

De repente, do nada, brota a luz

resplandecente

e projeta a imagem:

_ Vamos dar um passeio?

_ Sim.

Depois, realidade.

Um instante é tudo:

Saudade.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Canarinho



dema

Eu já tive um canarinho
que vivia sem gaiola,
cantava do próprio ninho
ao som da minha viola.

Alegrava as manhãs,
voejava no jardim,
depois, num bater de asas,
vinha pra pousar em mim.

Certo dia aventurou-se
em visitas ao vizinho,
do que fez sua rotina,
sempre com retorno ao ninho

Todavia, de uma feita,
sem sequer dizer-me adeus,
bateu asas para o mundo,
talvez pra juntar-se aos seus.

Eu fiquei aqui sozinho,
carregado de saudade,
enquanto meu canarinho
se esbaldava em liberdade.

Quis tirá-lo da lembrança
pra reduzir minha dor,
mas não se perde a esperança,
quando se trata de amor.



Carpe vitam!




dema

A tempestade me alerta
lançar fora meus receios,
que a vida segue em oferta,
sem redutores, sem freios.

Um convite a pisar fundo,
a viver grande aventura,
a esquecer-me d’outro mundo,
peitar este com bravura.

Ademais, será verdade
que um’outra vida haverá,
se quem partiu, cedo ou tarde,
não regressou pra contar?

O dia passa depressa,
não há como segurá-lo,
como a noite que se apressa
pra findar sem intervalo.

Gozar a vida é um dom,
condão que nem todos têm;
há quem motive algo bom
valer menos que um vintém.

Enquanto a chuva serena,
vou revendo meu projeto,
pra que esta vida pequena
seja um programa completo.


sábado, 25 de janeiro de 2020

Quando o amor se vai



dema

Quando o amor se vai, a vida também parte,
sem estrela-guia, ruma ausente aonde;
torre que balança, cai, e assim esconde
o que, erguida, tinha de beleza e arte.
Tem-se o norte relegado à própria sorte
ou, então, amontoado de escombros,
onde o amor busca esconder fadada morte
e dar vida à solidão, causando assombro.
Olhos antes, como estrelas, cintilando,
são, agora, de uma opaca transparência,
denunciam que a alma está murchando
e que a mente se aproxima da demência.
Cada dia traz aceno de um adeus,
melhor fora se houvesse um gesto só,
é o sofrer fortalecendo-se em parcelas,
aos pouquinhos, apertando mais o nó.
Escraviza, faz, dos dois, pobres judeus,
com certeza hão de vir graves sequelas.
Por mais lúgubre revele-se o ocaso
bem no fundo, resta um raio de esperança
de que ainda, mesmo com um certo atraso,
novo amor asile o velho na lembrança.





terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Delimitações sutis



dema

Sutil por demais delimitar os sentimentos:
até onde amor e depois ódio,
daqui rotina, dali indiferença,
de cá frustração, de lá desconsolo;
saber se ama, se odeia,
se amada, se odiada.
se venera, se detesta,
se ri ou se chora.
Oh tenuidade!
Palavras vazias vazam da boca,
camuflam o voz da alma.
Vida insossa que belisca, questiona, intriga.
Busca-se conhecer a intensidade do afeto,
a profundeza do desamor.
Que digam os deuses sábios
como distinguir o sentir real do dissimulado,
do travestido de avesso;
em que confiar sem decepção.
Atos, por vezes, são teatrais.
Quando sim e quando não?
Perde-se, não raro, em tais minudências,
que se avolumam e deprimem.
Vale a fé, corre-se o risco:
Verdade? Perfídia?
Afinal, o que é e o que não é?




sábado, 4 de janeiro de 2020

A graça de uma ventura



dema

Meu presente roubado pelo passado,
do futuro, resta o fado.
Presépio deserto,
cruzeiro pelado;
o seguro, Deus do lado.
Ninguém recosta em meu travesseiro,
sigo o giro noturno  inteiro.
Contra o amor, sou vacinado,
ultrapassa meu calado.
Sagrado na tristeza
e na solidão, com certeza.
Nada de mágoa ou de amargura,
levo a vida na mão segura
de Deus, enquanto de Seu agrado,
até porque viver me parece
gozar a dádiva de uma ventura.