quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

ARARINHAS AZUIS

dema

Viemos da caatinga do São Francisco baiano,
tínhamos lar bem festivo do princípio ao fim do ano;
nosso habitat natural,  o entorno de Juazeiro,
mas hoje a nossa casa é tão somente cativeiro.

Aves de beleza rara, aí nossa maldição,
todo ninho saqueado, filhotes surrupiados,
tiraram-nos do sertão.
Destruíram nossa “hacienda”, nos puseram à exposição,
viajamos mundo afora, “só voamos de avião”.

Ararinhas azuis somos,
tão azuis quanto o infinito,
extintas na natureza,
_ ai que tristeza! _
perdemos parte do encanto.
Não se houve mais nosso canto,
muito menos  nosso grito.
Somos um resto de espécie,
sessenta, não mais que oitenta,
espalhadas pelo mundo,
que aos poucos nos esquece.
Não bastasse tudo isso,
procriar nos é difícil:
somos da monogamia,
longe de nós a folia;
por mais que nos forcem a transa,
transamos sem esperança.

Eis-nos quatro de um projeto,
buscando a  perpetuação.
Em área de alheio teto,
o que muito  nos acanha,
temos a visitação
de outras duas da Alemanha.

Preservar a nossa estirpe,
que se obriguem os humanos,
se agiram em modo torpe,
que nos salvem com seus planos.
Se acaso houver insucesso,
que isso sirva de exemplo,
que preservem a natureza
doravante a todo tempo.

 

 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O CÍRCULO DA INDIVIDUALIDADE

dema

Em síntese, só.

Dissociado, sem agregado,

sem alma gêmea,

sem nó.

 

Em síntese, alma e pó,

mas indivíduo,

indiviso

e só.

 

Envolto pelo universo,

inserto entre polos inversos,

criado e eterno,

mal e bem,

_ escolher a quem?

 

Longe o medo ou será ninguém.

Tudo é segredo.

Coragem, móbil do feito

pra encher o peito

e saltar além

da razão,

da incerteza,

da morte

e, na fé,

contar com a sorte,

romper as cercas da solidão do ser

e, quem sabe, tornar-se alguém...

 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

TIA


dema

 

Que linda!!! Elogios mil.

Gozar a vida lhe sorriu

por um, por dois, por três, por anos vários.

E lá se foram os óvulos dos ovários.

 

Abriu-se a mente certo dia:

êpa, sou tia!

Não é que fora assim covarde,

apenas era tarde.

 

Inda bem que rodeada de sobrinhas

e as tratava princesinhas.

De terceiros, jamais quis;

dizia ela: não teria seu nariz.

 

De qualquer modo, mama à meia, pois madrinha

da maioria dos sobrinhos e sobrinhas.

Mas a tristeza a alfinetava todo dia,

nunca foi mãe, tão somente tia.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

CÉU E INFERNO


dema
 

Imagino o céu em azul suave

e o inferno vermelho-violeta;

o primeiro qual planar de bela ave

e o segundo com ardor de malagueta.

 

Há de ter no céu puro prazer

e aos etéreos seres bem sentir;

já no inferno, somente sofrer,

carência, ausência, inexistir.

 

Penso o inferno eterna solidão,

nenhum padecimento coletivo.

Coletivo, queira ou não,

gera corporativismo:

primeiro,  as vindicações,

representações, sindicalismo,

quebra-quebras  incontíveis,

lideranças corruptíveis,

manipulações à toda vista,

políticos mau-caratistas,

Lúcifer passando mal...

o inferno,  um caos infernal.

 

Penso o céu presença, festa;

o inferno, o nada, a indiferença.

Mas não sou eu quem isso atesta,

longe de mim a desavença.

De minha parte, asseguro,

posto que inda no escuro,

prefiro mesmo é a terra,

que ambos, céu e inferno, encerra.

 

 

 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

FORTUITO NATURAL




dema

 
Ter-se-lhe-á sido herdada tristeza constante.

Também recebeu por herança

eterna esperança

da morte,

o olhar vesgo na vida (como jamais se viu antes),

o ter de vivê-la obrigado,

já que presente

da sorte.

 

Não lhe pareceu fosse a vida divina dádiva.

Mui cedo desejou a morte

por consolação.

Melhor, quem sabe, lhe fosse

nem lhe verter lágrima,

dispensável à sua alma

qualquer oração.

 

Um dado da natureza,

assim se enxergava.

Não escolhera nascer

nem era dono da vida,

então, para que viver?

Por que por ela responder?

E se contristava.

 

Mal alcançara quarenta, se achara imortal.

Existir fazia-lhe mal.

_ Amar ou ser amado?

_ Certamente não.

(Impossível é amar

quem não tem coração.)

 

Descuido da natureza,

esse ser existiu.

Jamais conheceu beleza,

passou pela vida,

mas não viveu.

Se apareceu por acaso,

também por acaso,

desapareceu.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

 
BADALAM SINOS
 
 
 
 
 
 
 
dema



Por que badalam os sinos,
se festivos não badalam?
Por quem badalam os sinos
se tão fúnebres se embalam?
 
Não é a hora do Ângelus
nem da missa das crianças,
não os tocam os arcanjos
nem são toques de esperança.
 
Nenhum féretro anunciam,
não há guerra se acabando.
Porque o Papa renuncia
nenhum sino sai tocando.
 
Badalam em meus ouvidos
ritmados, soberanos;
de tão fortes, vêm zunidos
timpanite provocando.
 
Ah, histórias fabulosas,
das antigas catedrais
ou memórias nebulosas
de tempos medievais.
 
De colheitas com abundância,
de coroações reais;
de lembranças da infância,
dos castelos irreais.
 
Mas impera uma tristeza,
e jamais se  viu igual;
há um convite do sepulcro,
sem nada de virtual.
 
Sons que eriçam-me os cabelos,
com insistente redundância;
chego até fazer apelos
à “machine” em ressonância.
 
Será prévia da partida,
pra depois um déjà vu;
será  eco de uma vida
que não sei se bem vivi?
 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

ÁGUAS A DESTEMPO


 
dema
 
Outubro prometeu chuvas,
mas novembro foi seco,
natal sem chuvisco.
Muito se fala em risco
de apagão, não de corisco.
 
Ah, mas a encosta clamou por descambar
e a água abundante janeirou morro abaixo
e terra e muro e casa e gente,
como todo ano, toda enchente.
 
Houve troca de inquilinos na Prefeitura,
levaram o cofre.
Ruas, buraco e mato (graças que o carnaval já vem).
Funcionário sem abono de natal
(sempre os patos pagam o pato).
Mato de chuva não dá carrapato,
o da seca morreu chamuscado.
 
E a pátria amada, coitada,
que descalabro!
O deputado cassado viu-se empossado.
Quem renunciou pra não ser cassado
foi reeleito e aclamado presidente do Senado.
Ali Babá nem soube que seus quarenta
foram condenados (nenhum engaiolado).
 
Às vezes me acanho
de viver neste reino estranho,
que empresta Real pro FMI,
faz Copa, faz Copa,
faz fila no hospital do SUS,
congestionamento de macas nos corredores;
faz bolsa, faz bolsa, faz bolsa,
faz massa (não de obra, de manobra),
bolsão de votos,
faz bolso grande em cueca,
faz olimpíada,
faz piada, não, é uma piada;
com tráfego intenso e
hiper intenso tráfico.
Sinto-me quase seguro
preso em casa.
A justiça tarda, mas não falha,
sempre tarda.
Inda bem que o voto é obrigatório,
por que se não fosse, quem escolheria os quarenta?
Brasileiro tão bonzinho! Aguenta!!!
 
Outras vezes, de novo me acanho,
falta-me o ar neste reino estranho,
onde pra se viver bem,
há de se fingir enganado,
ver a novela das oito
que começa às nove.
Ô, que bom que agora chove.
 
Sonhar é preciso:
que a chuva canta ,
que a água, se não rola, derrama.
Se derrama, corre e, cantarolando,
cai no bueiro,
marulha sem mar, como a pomba arrulha,
e me dá sono.
A ele me abandono,
Sou é mineiro, uai.