quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Lamá Sabactani



dema

Sem pressa, caminho pela vida,
para alongar a trilha curta do fado que presumo.

Choro por aqueles que a tiveram interrompida,
_ os corpos sepultados por lama rejeitada, _
viram sequestrada a própria vida.
Não emergem da tumba coletiva
os sonhos soçobrados ao peso do concreto
– Titãs, no Tártaro aprisionados,
sem direito de ingresso no Olimpo.
Tal a criança impedida de alçar a puberdade,
o filho de ser pai, a mãe de ser avó.
Ouço ressoar das profundezas o lamento crucial:
_ Eloi, Eloi, lamá sabactani!
E saber que, além, pode haver eternidade.

De volta ao meu umbigo, me conformo.
Vou seguindo, alforje mal distribuído,
leves por demais os sonhos futuros,
a contrapeso de boas lembranças e desatinos.
Chegar hoje, amanhã, tanto faz,
ao menos, até agora,
não surrupiaram meu destino.


segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Borrão de trincha



dema


Tão grande a ânsia por coisa bela,
que a brilhante ideia se atravanca,
pichação disforme de aquarela,
borrão de trincha na folha branca.

Esvai-se a imagem do pensamento,
indômita pressa a ofusca,
impõe, à alma, cruel tormento
e, à mente afoita, maçante busca.

Procura, alhures, por qualquer musa
que de bom grado lhe avive o estro,
se acaso encontra, ouve só recusa
(Foram mandantes de algum sequestro?).

Quer de manhã, de tarde ou de noite,
a todo o tempo e em todo lugar,
castiga o verso a poder de açoite,
nasce um poema sem cintilar.

Que das estrelas, do azul do mar,
das rosas, cravos, e dos jasmins,
dos beijos doces sob o luar,
fazendo inveja nos Serafins?

Maldita hora, em que o nada aflora,
seta encravada no coração,
peço-lhe, Euterpe, que, sem demora,
me esguiche um jato de inspiração.


http://www.demasilva.com.br/PINEDITOS/BORRAO_DE_TRINCHA.html