sábado, 25 de junho de 2016

Chance


(dema)

Não pretendo ir
antes de ti
nem simultaneamente.
Quero-te a chance
de viveres um tempo apenas por ti
em completa ausência minha.



Pois é...


(dema)

Inda me lembro da tua língua fria
nos dias em que descartavas fecundidade.
Enquanto não chegam as águas
do final de primavera,
sorvo o orvalho
das gélidas manhãs de inverno
e me banho, à noite, em lágrimas perenes
que merejam e vertem pela ausência tua.

Tapete negro


dema

Corre veloz sob meus pés, tapete negro.
Num instante, o horizonte distante
me atropela
e à descida do morro
abre-se outra janela;
não peço socorro,
a mim é o que cabe,
por graça divina,
cumprir minha sina.
De ambos os lados, em disparada,
vão passando nuvens, manadas.
Apodera-se de mim a imagem dela,
quadro raro em viva aquarela:
pousada em meu peito,
pra gosto perfeito,
serena, adormece,
terna e bela.
Carga pesada,
ora aclive da estrada,
devagar, meu senhor,
­_ vê se aguentas, motor!
De repente, porém
para meu grande espanto,
e até me alevanto,
alguém quebra a ventana,
arma em punho,
é real, não rascunho:
_ olha lá, Camarada,
que não te aventures!
Fora da pista, me encontro
em tronco de cedro amarrado,
“cruz credo!”,
veio a coronhada.
Eis senão quando,
luz forte na vista.
Virgem, estou noutra pista!
Oh, Mãe Aparecida,
que trapalhada!
Cochilei, navalhada!
Santa bendita,
em meu peito tua imagem se agita.
A parada ali à frente,
breve repouso,
que ainda não é pouso,
um café bem quente
e eu no trecho de novo.

sábado, 18 de junho de 2016

Consternação


dema


Os arranha-céus emergem da copa das árvores
na quinta dos mortos.
Um vento de outono frio assopra meu rosto,
desarruma meus cabelos.
Recostado ao tronco de árvore que sombreia
uma quadra de tumbas,
aguardo o cortejo liderado pelo carro fúnebre.
Que bom se, ainda vivo, saísse nele a passear!
A diversidade de flores, ao largo, diz-me o tamanho do universo
de saudades brotadas dos túmulos frios.
Meu pai está mais ao longe,
cerca de cinquenta metros do último cipreste da quadra I.
Não lamento mais.
O sol é forte e induz-me a agradecer à frondosa e acolhedora árvore, cuja sombra fresca me abriga.
De repente, lá vem o carro chique.
Segue-o imensa fila de conduções menores.
Entrevejo abrir-se o ataúde
e ver correrem lágrimas sentidas na face do filho absorto.
Então, o fato.
Uma a uma, traduzem lembranças boas, afagos, abraços.
Deus seja louvado, mesmo que doravante sinta-se órfão, desamparado.
Em seguida, com ele choro, ao ver cerrar, por última vez,
a tampa da caixa mortuária.
Essa, a despedida, o sentimento da perda que amarrota a alma.
Amanhã será outro dia.
Descobrirá que ela se fora, mas nunca morrerá.
Sobrepor-se-á a presença forte, a saudade viva.



quinta-feira, 16 de junho de 2016

Corpo sem vida

dema


Corpo sem vida
é apenas o que tem de ser,
corpo em que a própria vida
não pode mais se suster;

de necrófagos, herança,
_ eis aí sua beleza! _
microbioma de autólise
pra retorno à natureza.

Onde houvera vida
não mora mais a esperança.
Esvaída, avessa à calma,
põe-se logo a alma
a vagar no espaço,
quiçá em ondas etéreas buscando o céu
ou em fuga ad aeternum do inferno,
talvez pra diluir-se ao nada
ou acrescer, então,
à energia do universo.

Um corpo sem vida
já não serve à lida;
resta-lhe somente a sorte
de ser a fonte de vida
dos seres que vivem da morte.


segunda-feira, 13 de junho de 2016

Velho menino

dema


Já pensei dobrar
as ondas do mar,
abri-las depois
no quintal lá em casa e
cortá-las a nado
no quente verão,
inda que em asas
da imaginação.

Também carrear
um montão de areia,
mui branca e fininha,
pra então espalhar
na orla das águas
e, longe das mágoas,
poder repousar
com bela sereia,
é claro, só minha.

Mas um mar assim
não é só pra mim;
também os amigos,
cercados de amigas
em trajes miúdos,
os seios graúdos,
poderão fruir
da graça divina, 
sonho de menino,
de um mar bem aqui.

Com toda certeza,
eu encontraria,
sem feitiçaria,
na maior moleza,
u’a linda morena
pra ser a pequena
de mil dias meus.

Seu corpo molhado,
os seios dourados,
são, juro, meu Deus,
somente alegria
pr’esses velhos olhos,
com beijos aos molhos
e imensa folia.

Sonha, pois, criança,
mas tem confiança,
que, aos raios da lua,
moleque de rua
vive é de esperança.
Ah, velho menino!
Oh, menino velho!
Tão grande nos anos,
porém, de juízo,
és, sim, pequenino.




EM DEMASILVA

NAMORADOS 2016

DANÇANBEBEMORANDO A NOITE DOS NAMORADOS - CASA DE DEMA - 11/06/2016






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terça-feira, 7 de junho de 2016

Cantil vazio


dema


Muito do pouco que sei
gostaria de dizer hoje,
afinal, já nem mesmo sei
se o que sei de mim foge.

Talvez a vida me diga
o quanto eu quis e não fiz;
só ela censura e castiga
quando me quebra o nariz.

O coração mole, mole
vem, segue o corpo indolente
que bebera, gole a gole,
todo o cantil de aguardente.

A mente não mais reclama,
ignora o que a alma sente,
prostrada na própria cama,
a tudo vê indiferente.

Se ainda há luz ou se é noite
nada me importa, infeliz,
a ressaca me é o acoite,
mal amada meretriz.

Quem sabe amanhã eu diga
o que hoje quero dizer,
pois ninguém ouve nem liga
ao que repito sem ver.
Quem sabe amanhã eu diga...
pois ninguém ouve nem liga...
pode ser que até repita...
mesmo sendo sem querer...
pode ser...
que eu diga...





sexta-feira, 3 de junho de 2016

Jardineiro ad hoc


dema


Arranco o mato,
pé por pé.
Trovejando, desacato-o
e levo fé
que daqui desapareça
ou, se quiser,
que cresça
no jardim vizinho
ou onde lhe convier.

Com força, sim,
erradico-o
e me sinto sádico
quando, degolado,
faz forca de meus dedos afilados.
Rasgo fundo a terra
que o sacho coração enterrra
para extirpar, dele a raiz,
e, eu, vê-lo cumprir a pena,
u’a morte não serena,
da qual sou o juiz.

Jamais fui jardineiro,
faço-lhe, no entanto, a vez
para furtar-lhe, por inteiro,
o prazer que é apenas seu, talvez.

E a grama, após regada,
olha-me verde enternecida;
já minha alma, assim enlevada,
Põe-se a sorrir da vida.


EM DEMASILVA

Sarau Gotas Poéticas

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