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sábado, 30 de julho de 2016

Teu olhar


dema


Teu olhar retrata
a melancolia
que  faz, na tu’alma,
sua moradia.

Por certo é quem causa
o lirismo puro
e a paixão profunda
pela poesia.

É pra ti que mentes
se a verdade negas,
pois tudo que sentes
teu olhar entrega.

Que tal liberares
esse coração
desnudar-se em versos
plenos de emoção?

em demasilva

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Temporã


dema


Eu, menino no quintal,
de quando em quando, normal.
Comia fruta de tempo,
porém, não raro o momento,
preferia a temporã
(aquela que, em vez de hoje,
deixou pra vir amanhã).

Hum! de dar água na boca,
a mexerica azedinha,
extemporânea, mas louca
por parecer mui docinha.

Aquela goiaba mágica
que eu degustava em segredo
ressurgia da folhagem,
pois de mim não tinha medo.

Todos os pés vasculhados:
caqui, laranja, caju;
já na moita de bambu,
mel de abelhas jatai
(Zumbindo, zumzum, zumbindo
e eu não ‘stava nem aí).

E as supimpas cajá-mangas
me chamando, do vizinho;
claro, eu lotava a capanga
e vazava de fininho.

Tal qual furtar milho verde
na roça do Nhô Jacó,
de tanta espiga no saco,
mal o fechava com nó.

Doutra feita, a melancia,
para escolher uma só,
eu furava a maioria,
sequer tiquinho de dó.

Estranho mesmo era manga,
nunca encontrei a destempo;
por não achar, a munganga
virava meu passatempo.

Inda bem que a vida passa
e fatos viram momentos.
A lembrança os traz de graça
e produz contentamento.


Em demasilva

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Atlântico oriental


dema


Dupla versão

1.    Poética

Repudiada a teoria da deriva continental,
saltei de placa, atlanticamente, afinal,
da sul-americana para a africana.
Provo o sabor da Macaronésia
e, em mergulho, me aventuro
no venturoso mar das Canárias,
das límpidas e salinas águas de cá,
que me convidam à talassoterapia,
por óbvio, ao lazer e à alegria.
Subtropical, entre nós,
o sol surfa as ondas turquesas
(sonho de duques, poesia de princesas).
Aqui não há pó adejante,
entretanto, não longe,
ao de lá de Tarfaya,
mãos dadas ao vento,
as dunas perambulam
no  ocidental Saara.
Sente-se, no ar, o quente lá estar.
De quando em quando,
assustam-me imagens de barcos chegando,
piratas de saque do mar da Guiné.
Bobagem, distante estou,
nem sou Capitão de navio mercante,
aliás, sequer navegante.
O bom vinho do Porto
em reserva de véspera
me aguarda, a regar
apetitoso prato de frutos do mar.
Quem dera me atassem,
salsa e flamenco,
não houvesse voltar!
Meu quinhão, no entanto, é sul-americano,
e meu rancho fica em um seu altiplano.

2.    Lacônica


Visitei as ilhas Canárias e gostei.






Sabor de Pecado e outras essências - entrevista Rádio Universitária (UFU)

Ponto de Leitura  - POEMA "ENTARDECER" 

Para acesso ao audio, clicar no link e fazer o download do arquivo MVA.


quarta-feira, 20 de julho de 2016

Deus e não-Deus


dema


A incredulidade é a própria crença do incrédulo. Intenta sustentá-la, mas com mera negativa. É como provar o nada com o niilismo. Seu descrer converte-se em sua divindade. Mais fácil me parece provar o divino com elementos positivos do que negar-lhe existência por simples negativa. A negativação concretiza-se ser positivado e locupleta espaço do ser completo. Noutro dizer, ser e não ser incorporam o mesmo universo, tão somente sob óticas diversas. O onipresente contém o sim e o não, o tudo e o nada, o anverso e o reverso, o repleto e o vazio. Assim, não há onde caber o nada, vez que o tudo não lhe deixa brecha, isto é, o nada se contém no tudo. Destarte, o não-Deus em Deus está contido. Negá-lo é conferir-lhe positividade.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Beija-flor


dema

Quando eu regava o jardim,
voou pra perto de mim,
pra banhar-se, um beija-flor,
de penas mui coloridas
e o pescoço furta-cor .

Drapejando em pleno ar,
pôs-se, como ás, a bailar
a dança alegre da chuva.

Nas  gotas em suspensão
a luz do sol fez nascer
quadro lindo de se ver:

arco-íris miudinho
coroando o passarinho,
qualquer fosse a direção.

Sou bem capaz de apostar
não haver quem não se encante
com a imagem deslumbrante:

o espertinho colibri,
voando daqui pr’ali
e cada flor cortejar.

Aos céus entoo meu hino,
a Deus dispenso louvor,
pois mais pareço um menino
ante esta cena primor.




EM DEMASILVA

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Incompletos


dema


Jamais hei de completar-te por inteiro,
como  a mim, por certo, não o farás.
É da humana criatura o querer-se criador,
o nunca conformar-se com o finito,
a busca da perfeição, do completo;
fugir da efemeridade,
intentar eternizar o tempo.
“Tal o definido amor camoniano”,
ser humano “é nunca contentar-se de contente”,
buscar o mais que gera o mais.
Frente ao divino, universal,
nosso amor é meio termo,
como se a sombra do real,
no mito da caverna, de Platão.
Não me culpes, pois, se não tens a felicidade toda.
Ou imaginas que me fazes Baco embebedado?
Indaga a Deus se o querer tem limites
e, à mais feliz de tuas amigas,
se não guarda uma ilusão ao menos.
Inda que fosse eu teu príncipe encantado,
mais ou menos dia, me verias sapo.
Não te iludas, nem desprezes a recíproca.



Ocre tristeza


dema


Imensa tristeza paira no ar,
em mistura de vermelho e amarelo;
seguramente, brotada do olhar
que a alma lança do próprio castelo.

Espelham, seu olhos, mui claramente,
que há grande ilusão na alma contida;
ferida aberta, neles, refletida,
ao certo, por amor inconsistente.

Pureza nobre em face meiga e bela
que o tempo lapidou enternecida,
desde menina-moça, Cinderela,
ressalta, agora, mais robustecida.

Impossível furtar-me desse ímã
que incrementa o querer unir-me a ela.
Minh’alma ser-lhe-á irmã ou prima?
Donde vem tal poder que me atropela?

Qual porquê desses olhos tão gulosos
de dominar, num só lance, o infinito
suplicando, a nós outros, curiosos,
socorro pra se ouvir seu forte grito.

Então, fico a pensar o que seria
se a ilusão, de repente, se esvaísse,
se a esperança de amar se lhe fugisse...
sorte maior, a morte lhe traria.



terça-feira, 5 de julho de 2016

Trilogia negativa


dema

RENEGO a fé comodista,
para não transferir a Terceiro
responsabilidade minha.

RENUNCIO, doutro tanto, à esperança consoladora.
Prefiro peitar a efemeridade da vida até a morte.

REPUDIO, finalmente, na práxis, admitir a caridade egoísta.
Se vier a praticá-la, que o seja por amor.



EM DEMASILVA

sábado, 2 de julho de 2016

Paradoxal


dema


Acaso um amigo indagasse, em dado momento,
o que dos poetas sem a solidão,
livre de paixão, eis o que eu lhe diria:
_ antes sofrimento do que ausente a poesia.

Será contrassenso,
mero paradoxo?
Não sei se consenso
ou pensar ortodoxo.

Razão não terá, por certo,
sem os contrários,
haver intermediários
nesse vão inserto:

o de cá e o de lá,
muro alto no meio,
e alguém com receio
de à noite o saltar;

lua e estrelas,
a nuvem a escondê-las;
o sol e o luar,
a terra e o mar;

céu e inferno,
ódio e amor,
verão e inverno,
espinho e flor;

gato e rato,
prazer e dor,
desrespeito e acato,
frio e calor;

azul e vermelho,
branco e preto
face e espelho,
centro e gueto;

feio e belo,
prego e martelo,
dor e prazer,
trabalho e lazer;

dia e noite,
alegria e tristeza,
carinho e açoite,
Antônio e Tereza.

Quem me dera soubesse
ser mesmo verdade
que a musa não anda
com a  felicidade.

Ah, pudesse eu dizer,
na sinceridade,
que a tal solidão
me tem grande amizade!