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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Quando eu morrer

dema

(Disposição aos que me prezam.)

Quando eu morrer, basta-me um velório simples.
Que chorem um pouco por minha partida,
depois, sorriam: que alívio!
Não me velem por muitas horas.
Como eu, ninguém gosta de mau cheiro.
Estando meu corpo estirado entre candelabros
(cuidem para que ainda não o queimem!),
busquem-me um buquê de rosas vermelhas,
viçosas e perfumadas.
Mostrem-mo e o entreguem à minha amada.
Ela que as guarde tão só enquanto vivas,
após o quê, há de deitá-las fora.
Essa será minha homenagem póstuma
a quem, nesta vida, terá me amado de verdade.
Nada de desidratar alguma pétala e dela fazer relíquia.
O que importa é a homenagem gravada na memória.
Findo um prazo adequado,
conduzam meu corpo ao crematório.
Assim, estarão dispensados, por minha causa,
da intolerável visita de finados
ou mesmo insusceptíveis de algum remorso,
quando impossível ou esquecida,
se o esquife descer à cova.
Fora com as cinzas!
De preferência, espalhem-nas sobre as águas de um rio
ou reservatório de alguma hidrelétrica.
Por favor, não as utilizem como ingrediente
de algum five o’clock tea.
Se algum bem material lhes restar como herança,
sejam comedidos na divisão.
Os quinhões hão de lhes acrescer,
jamais de os dividir.
Tenham a fineza de conservar por alguns anos
(a critério dos que as detiverem)
as obras literárias que produzi.
Prescindível sua leitura, ainda que esporádica,
sendo suficiente que, vendo-as, lembrem-se
de que já existi.
Não se desesperem com esse fato fúnebre.
A vez de cada um chegará.
Pressa para tanto não se faz necessário.
Quando se vive o ciclo natural,
a morte chega devagar.
Morre-se paulatinamente:
o metabolismo lerda,
a melanina exaure-se,
a ossatura fragiliza-se e murcha,
os cabelos somem,
as vistas se enfraquecem,
fígado e rins vão se cansando,
o coração passa a bater ofegante,
os pulmões definham,
as juntas se enrijecem,
dissipa-se a libido,
os genitais rendem-se à lei da gravidade,
retraem-se as gengivas,
dentes amolecem e caem,
as cadeiras “crocanteiam”,
colam-se vértebras da lombar ou cervical,
a pele enruga-se,
o viço “desviça”,
evapora-se a beleza,
a esperança se desespera,
a depressão derruba...
Gradatim, tudo fenece.
De então, para que a vida se esvaia por completo,
não é preciso mais do que uma enfermidadezinha oportuna,
gripe, tuberculose, pneumonia
ou, quem sabe, uma queda brusca ao tropeço de um degrau.
Se Deus existe, certamente me acolherá em espírito.
Se não, continuem acreditando que Ele os está a amparar.
Segurem-se na Sua mão.
A todo modo, saibam que lhes desejo a paz
e que também me deixem em paz.
Após tudo isso,
fui...




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