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quinta-feira, 24 de maio de 2012

Mamãe iletrada


dema
Mamãe iletrada lê meu coração com fluência,
vasculha minh’alma e, com opulência de calma,
desembaraça aflições que me levam à demência.
Se a tristeza prima, confirma-me as causas, orienta;
se impera a alegria, dela compartilha e faz sua.
Sem bengala se arrasta, atravessa a rua,
a fazer-me visita.
Pra ser honesto, às vezes, irrita.
Se a ofendo, finge que não se apercebe ou insinua
que a razão é a rotina, o trabalho, a fadiga.
Eu que o diga!
Se tem algum desejo, raramente o diz
E se o diz e não faço, será quando eu puder.
A ela está bem quando me aprouver.
Mamãe iletrada conhece todos os banhos e chás,
benfazejas ervas da horta verdinha cada dia me traz.
Se delas desfaço, a ela tanto faz. Amanhã trará mais.
No fundo, no fundo, ela quer é me ver.
Velhinha, talvez imagine que noutra esfera não mais o fará.
Ledo engano, mamãe.
Se morei em seu ventre,
ter-me-á para sempre
e do seu coração ninguém há de tirar.
Tolo que sou, não lhe dar muito amor,
carregá-la no colo de volta pra casa,
fazer-me as vezes de sua bengala,
abrir meu coração e dizer-lhe,
ao menos uma vez:
que a amo trinta dias por mês.
...

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