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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Memorial e subjetividade

dema

Não faz muito tempo (2009), veio a lume o livro de Elza de Melo Montes Resende, intitulado “MEMÓRIAS SUBMERSAS DA CIDADE DE NOVA PONTE”(1), publicado pela Assis Editora (Uberlândia/MG). Mais recentemente (2011), Carlos Segundo lançou um “documentário”, de 75 minutos, sobre a mesma cidade – “No fundo nem tudo é memória” -, defendendo a tese de que “reconstruir uma história nada mais é do que inventar outra”.
Vistas tais produções e, comungando com o pensamento do produtor do filme, pude constatar, tendo passado minha infância na cidade submersa rememorada, que afora as fotografias de época (do livro) e descrições físicas de ruas e acidentes geográficos, as narrativas são particularizadas, recheadas de lembranças muitas vezes vestidas pelo imaginário de cada um, divergindo profundamente das reminiscências que trago de quando menino pobre que ali vivi. Eis, pois que entendi necessário manifestar-me como segue.


“Operar a ressurreição de memórias submersas é criar um mundo novo, subjetivo, virtual, carregado de lembranças, de afeto, melancolia, saudade.
Objetivamente, não retrata o evocado. Cada estória faz-se alicerce a sustentar a neoedificação.
Os operários da evocação abrem suas almas e exteriorizam, a seu modo, a seu sentir, a seu ver, marcado por experiências pessoais, profissionais, status sociocultural e econômico, lugares, imagens, lendas e mitos que rememoram.
A obra nova mal lembra a paisagem embaçada do passado. Traz, em essência, um mundo espiritualizado, resultante de mistérios humanos vários, tantos quantos são os narradores e os relatos de terceiros reconstituídos.
Esse “memorial” é poético e, ao mesmo tempo, assustador. Denota o sentimento de perda, de efemeridade.
A lembrança boa dá carona à melancolia.
A ruim vira lenda.
A obra nova, ainda que bela, é triste.
Será para sempre, mas integrante dos anais de reconstrução que serão ou não vistos e lidos. Integrará bibliotecas físicas ou virtuais, cinematecas e outras tecas, mas algo à semelhança do hiperurânio platônico.
O saudosismo invade a narrativa, fazendo rolar a lágrima, enaltecer o feito medíocre.
Pode trazer alento ao construtor e seus operários, porém, seu valor há de ser meramente afetivo e, talvez, mais “estórico” do que histórico.
Épica ou poética, trata-se de algo novo construído artificialmente.
Se muito bem feita, é arte e passa a valer por si.”

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(1)RESENDE, Elza de Melo Montes Resende. Memórias Submersas da Cidade de Nova Ponte. Uberlândia, Assis Editora, 2009.
Vasculha as remotas Bandeiras que chegaram ao “Sertão da Farinha Podre”. Narra a formação dos Distritos de São Sebastião e de São Miguel e sua fusão para constituírem o município de Nova Ponte. Discorre sobre as várias pontes construídas sobre o caudaloso rio Araguari, inicialmente para dar passagem ao gado sertanejo proveniente de Goiás e do Oeste Mineiro, tangido para os matadouros paulistas. Historia fatos e acontecimentos até o desaparecimento da cidade velha e a transposição para a nova, por força do enchimento do reservatório construído pela CEMIG para a hidrelétrica de Nova Ponte.
Elza, com muita propriedade, brinda-nos com informações sobre a ocupação da terra pelas tradicionais famílias “Montes” e “Melo” e sua miscigenação com “Pereiras”, “Resende”, “Pinto” e “Gomes”. Descreve as antigas fazendas, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX e o estilo de vida (costumes, religião, festas) de seus moradores.
Elza alicerça sua narrativa em obra de Soares de Faria, publicada em 1939, em pesquisas realizadas junto a arquivos do Município, do IBGE, da CEMIG, UNB, Cartórios, dentre outros, e reproduz, ainda que sem rigor científico, as raízes e a evolução da cidade e de seu povo.
Paralelamente, mas integrando o contexto histórico, desfila a genealogia dos “Melo” e “Montes”, até os dias atuais.
A autora, durante longos anos, veio desenvolvendo seu trabalho, culminando num acervo muito rico de fatos, “causos” e fotografias, grande parte de sua propriedade.
Vale a pena conferir o resultado dessa empreitada.

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