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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

PROCESSO TRIBUTÁRIO ADMINISTRATIVO - DECADÊNCIA: MATÉRIA DE PRELIMINAR OU DE MÉRITO?

Ademar Inácio da Silva
Udi, fev/09

CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO:
PRELIMINAR X MÉRITO


A presente abordagem, despretensiosa de definitividade, até pelas limitações de ordens várias a que se prende o autor, traduz o resultado de uma reflexão sobre tema de relativo interesse para o Contencioso Administrativo mineiro, qual seja "o que constitui matéria de exame preliminar e de mérito". Objetiva suscitar a discussão sobre a matéria, face à necessidade de melhor adequação procedimental ao disposto no art. 163, § 1º, 1,"a", do RPTA/MG, segundo o qual, "não enseja recurso de revisão a decisão tomada pelo voto de qualidade, relativa a questão preliminar...", não deixando, outrossim, de significar, ainda que em pequena monta, uma contribuição para o estudo.

Conforme define José Náufel (in Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. RJ: J. Kontino Editor, 1965), MÉRITO é "a parte da causa que compreende o complexo de fatos examinados à luz do direito, cujo exame deve ser feito pelo juiz, a fim de proferir sua decisão. Na preliminar, faz-se argumentação sobre determinado fato ou circunstância que prejudica a ação, impedindo tomar-se conhecimento de seu mérito. O mérito da questão é a matéria de fato e de direito a ser apreciada pelo julgador".

O impedimento resultante do acatamento de preliminar levantada há que entender-se não necessariamente como extinção do processo, o que é possível, mas também como retardamento do exame de mérito, com a imposição de realização ou repetição de ato processual, saneando eventual irregularidade, sem o que a matéria controversa estaria fadada à não apreciação.

Em sede de Direito Processual Civil, questões de preliminar são pertinentes ao processo, concebido como o conjunto de atos tendentes ao exercício da função jurisdicional. O órgão jurisdicional deve proferir, ao final, uma decisão sobre a pretensão formulada pelo autor, tutelando-a ou não, o que corresponde à decisão de mérito.

A relação processual válida, contudo, depende do preenchimento de certas condições, que, na lição de José Ignácio Botelho de Mesquita, apud Cleide Previtalli Cais (in O Processo Tributário. SP: RT, 2001), podem ser genéricas e específicas. As genéricas, enquanto positivas, compõem-se "do interesse processual, da legitimidade das partes e da possibilidade jurídica do pedido". Ditas condições são comumente denominadas simplesmente de condições da ação. Negativas, à vez, são aquelas cuja ausência é necessária para que a ação possa ser proposta. Ei-las: litispendência, coisa julgada, perempção, compromisso arbitral, decadência, prescrição e caução às custas.

As condições negativas, enquanto impeditivos objetivos de ordem extrínseca à relação processual, ao lado dos de ordem intrínseca (que dizem respeito à subordinação do procedimento às normas legais) e os requisitos subjetivos [relativos ao juiz (investidura, competência e imparcialidade) e às partes (capacidade de ser parte, capacidade processual e capacidade postulatória)] são comumente chamados de pressupostos processuais, isto é, cuja ausência ou presença, dependendo da espécie, faz-se necessária para a constituição válida da relação processual. (Ver Amaral Santos, Moacir. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. SP: Saraiva, 1.977).

O exame dos pressupostos processuais, das condições da ação e demais questões ligadas ao processo, em Processo Civil, são matéria de preliminar. Contrario sensu, a elas não se referindo, são de mérito, pouco importando em que momento venham a ocorrer.

Respeitadas as respectivas autonomias, conceituações próprias do Direito processual Civil podem trasladar-se ao Processo Tributário Administrativo, de modo a facilitar, neste, a identificação de matérias de exame preliminar e meritório.

O Contencioso Administrativo instaura-se com a impugnação ao lançamento, que formaliza o crédito tributário, por via do Auto de Infração, a teor do art. 106, II, do RPTA/MG.

Uma vez impugnado, impõe-se sua revisão na esfera administrativa. Caso não acatadas, integral ou parcialmente, as alegações opostas, o Auto de Infração, sob forma de PTA, tramita até decisão final irrecorrível ou superveniência de qualquer causa extintiva do processo.

Pode o Contencioso resultar ainda de impugnação tempestiva contra despacho denegatório de repetição de indébito ou de reclamação tempestiva contra ato declaratório de intempestividade de impugnação ou contra ato declaratório de ilegitimidade de parte. O mais comum, porém, é com a impugnação ao lançamento do crédito tributário.

Quais matérias serem consideradas de exame preliminar ou de mérito, no processo tributário administrativo, converte-se no objeto imediato da tentativa de elucidação.

Consoante Clélio Berti (in O Processo Fiscal - Teoria e Prática. SP: Ícone Editora, 1.995, p. 120), a análise de mérito consiste na discussão do âmago do lançamento. Todos os fatores relacionados com a matéria tributada em si.
Se em Processo Civil o exame de mérito diz respeito à pretensão do autor, no Processo Tributário Administrativo, pelo que deixa entrever Rubens Gomes de Sousa, citado por Cleide Previtalli (Op. Cit. , p. 216), refere-se à controvérsia entre Fisco e Contribuinte a propósito da existência, das características ou do montante da obrigação tributária.

Ao que se afigura, o exame de mérito é o do lançamento em si, de ofício, excluídos os elementos que lhe sejam impeditivos ou decorrentes de inobservância de determinações legais procedimentais, sendo-lhe integrantes, sob comando do art. 142 do CTN, o fato gerador, a matéria tributável, o cálculo do montante do tributo devido, a identificação do sujeito passivo e a penalidade imponível.
Destarte, constitui exame meritório averiguar:

1) se ocorreu, no mundo real, a consumação do fato hipoteticamente previsto na lei, que resulte no nascimento de um direito do Estado, correspondente a uma obrigação do sujeito passivo; analisa-se se o fato, que enseja a cobrança de tributo pelo Fisco, de fato ocorrera e em que circunstâncias, como se prova e a qual dispositivo legal se sujeita;

2) qual a matéria tributável (se objeto ou não do tributo que se exige); se se insere no campo de incidência ou não. Trata-se do an debeatur (se é devido tributo). Embora em Processual Civil se diga que a pronúncia de decadência decide mérito, não parece correto afirmar que sua apreciação seja questão de mérito, porque não concebida como referente a matéria tributável ou ao tributo em si, mas ao direito de lançar;

3) a valoração quantitativa do tributo, noutro dizer, a base imponível (base de cálculo), a alíquota aplicável, o imposto devido e o cobrável, quando resultante de compensação com crédito, se for o caso;

4) a sujeição passiva (quem deve): contribuinte ou responsável, pessoa física ou jurídica e de que ordem é a responsabilidade (pessoal, solidária ou subsidiária);

5) qual a penalidade aplicável, à vista da infração imputada; se há atenuante ou agravamento por reincidência.

Tudo leva a crer que, em mérito, desmereça análise qualquer das causas extintivas de crédito tributário (art. 156 do CTN). O que poderia dar azo a inteligência diversa seria a alegação de decadência e ou de pagamento antecipado com homologação do lançamento (art. 150, §§ 1º a 4º, do mesmo Código). Decisão a elas relativa, todavia, mesmo que extinga o processo com decisão de mérito, vincula-se, em verdade, a matéria de exame preliminar, já que ambos os institutos, se de alegação acolhida, confirmam-se impeditivos do lançamento e, por conseguinte, do nascimento da relação jurídica processual válida.

Clélio Berti (op. Cit., p. 110) conceitua preliminar como "uma questão levantada no curso do processo que, por sua importância, influenciará na decisão do mérito, podendo, se favoravelmente resolvida, impedir o conhecimento do mérito ou modificá-lo substancialmente". Mais adiante (p. 11), continua: "(...) Nas preliminares pode-se alegar tudo o que precisa ser decidido antes de apreciar o mérito. A preliminar não discute as razões da impugnação e sim as razões que podem modificar, inclusive anular, o lançamento efetuado. Nas preliminares alegam-se também fatos ou procedimentos a serem tomados, antes da apreciação do mérito, por ser possível, com esses procedimentos, mudar aspectos fundamentais do lançamento".

É relevante destacar que a decisão preliminar, em certos casos, implica decidir o processo e converter-se também em decisão de mérito, sem que o mesmo tenha sido apreciado. Este se afigura o caso da decadência, cuja alegação, se acatada, extingue o processo relativamente à respectiva matéria, prejudicando a apreciação do mérito, ou seja, do conteúdo do lançamento. Se a matéria tributável estava decaída, isto é, se não mais cabia ao Fisco o direito de lançar, é o próprio lançamento que se invalida. O acolhimento desta preliminar prejudica o exame de mérito.

A questão da decadência comporta polêmica, no Contencioso Administrativo, exatamente em decorrência do aspecto de revestir-se a correspondente decisão também do caráter de julgamento de mérito, posto que matéria de preliminar, cujo acolhimento dispensa o exame do conteúdo do lançamento.

O dissenso deriva do apego ao disposto no art. 269, IV, do CPC, segundo o qual "Extingue-se o processo com julgamento de mérito quanto o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição".
Em Direito Processual Civil, os doutrinadores, atados a predito dispositivo, são praticamente unânimes em afirmar que a pronúncia da decadência configura decisão de mérito. A exemplo, o Professor Ernane Fidelis dos Santos (in Introdução do Direito Processual Civil. RJ: Forense, 1978, p. 143): "Conforme já salientamos, o nº IV do art. 269 consignou matéria que se enquadra na classificação genérica do nº I, pois, reconhecer-se a decadência ou a prescrição é simples forma de acolhimento ou rejeição do pedido do autor".

Em Direito Tributário, mais especificamente em Direito Processual Tributário, afigura-se admissível pensar diversamente. Mesmo que se conceba o acatamento da alegação de decadência como decisão que atinge o mérito, deve-se enfatizar que só o faz por conseqüência, vez em realidade a decisão ser sobre a preliminar suscitada.

Explicita Cleide Previtalli (op. Cit., p.476): "O objeto da decadência, entretanto, são os direitos potestativos, aqueles que existem por si próprios, independentemente de outros direitos e que, por força de lei, devem ser exercidos em certo prazo. Caso não sejam exercitados por seus titulares, esses direitos extinguem-se, independentemente da produção de efeitos, não mais podendo ser invocados por seus titulares. Nesses termos, somente as "ações constitutivas podem ser afetadas pelos efeitos da decadência, porque somente elas podem ser utilizadas para o exercício dos direitos potestativos".

Parafraseando, autorizar-se-ia afirmar que, em sede de Direito Tributário, o direito potestativo é aquele, do Estado, que nasce com a consumação do fato gerador, traduzido no tributo, obrigação do sujeito passivo. Esse direito não pode, contudo, ser exigido enquanto não se converter em um crédito tributário líqüido, certo e exigível. A conversão ocorre com o lançamento, a formalizá-lo, constituindo o direito subjetivo do Estado, a partir de então exigível. A decadência, em última instância, fulmina, por conseqüência, aquele direito potestativo ao tributo, mas, de fato, impede o exercício de um outro direito do Estado, qual seja o de efetuar o lançamento.

Operada a decadência, não se pode mais constituir o crédito tributário exigível. Se o lançamento for efetuado, não consubstancia ato (ou procedimento = conjunto de atos) jurídico válido. A decadência, portanto, impede o nascimento da relação jurídico-tributária e a relação processual válida. Em primeira mão, extingue o direito de lançar. Por conseqüência, elimina o direito potestativo ao tributo, correspondente àquele crédito ainda difuso, incerto e inexeqüível. Apenas esse crédito, ainda não formalizado crédito tributário exigível, é que pode ser extinto, se bem que por tabela, pela decadência. Quando o art. 156 do CTN a aponta como causa extintiva do crédito tributário, só assim pode ser entendido, porque se o lançamento não é mais possível, não há crédito tributário exigível constituído.

Corolário lógico é que a decadência, porquanto vinculada ao direito de lançar, se acatada em preliminar, impede o nascimento da relação jurídica processual, prejudicando o exame de mérito, ou seja, do conteúdo do lançamento, e apenas por ilação faz decisão de mérito, o que não a descaracteriza matéria de preliminar.

Sob a orientação conceitual de que matéria preliminar seja aquela que se refira a impedimento do nascimento da relação processual, inviabilizando de pronto o exame de mérito ou que a este obstacule, enquanto não apreciada, pode-se inferir que o rol de matérias suscitáveis não se encerra em numerus clausus. Entretanto, conferindo o Processo Tributário Administrativo Mineiro, vencida a questão da decadência, serão enumeradas algumas mais comuns:

1) aspectos formais e procedimentais específicos do lançamento, manifestados em:

a) alegações de nulidade por ausência ou inadequação de atos prévios à expedição do Auto de Infração, como a lavratura do AIAF, do AAD e respectivas intimações;

b) alegações de nulidade dos procedimentos fiscalizatórios, mormente no que tange a coleta de elementos que subsidiam o trabalho fiscal (material, inclusive provas);

c) alegações de nulidade do próprio Auto de Infração, por ausência de elemento que deva integrá-lo, ou por não observância de forma;

2) matérias impeditivas do lançamento, v.g.¸ decadência, remissão, pagamento, pagamento antecipado e homologação (art. 150, §§ 1º a 4º - CTN), existência de outro lançamento sobre o mesmo fato gerador; ou que impliquem na suspensão da exigência do crédito, particularmente quanto à moratória; ou que põem fim ao contencioso (no curso do processo), representadas pelo ingresso em juízo sobre matéria objeto do PTA (art. 105 c/c art. 111, IV - RPTA/MG) e pela conversão do depósito em renda;
3) questões vinculadas à relação processual, tais como a ilegitimidade de parte e o defeito de representação;

4) outras vinculadas à temporaneidade dos atos processuais, como intempestividade de impugnação e recursos;

5) nulidades argüidas quanto a ausência ou defeito de intimações;

6) pedidos de produção de prova (como a pericial);

7) recurso de agravo contra indeferimento de reclamação;

8) argüições de obstrução de defesa e de impedimento de pessoas que interferem na decisão da controvérsia;

9) pressupostos de admissibilidade recursal.

Já alertado, esse rol tem caráter exemplificativo.

Conclusivamente, a averiguação de tratar-se esta ou aquela matéria de preliminar ou de mérito, conforme se infere, pode ser orientada da seguinte forma: se a decisão decorrente a reconhece como causa impeditiva do lançamento ou obstaculadora da apreciação de seu conteúdo, está-se diante de uma preliminar. Mas, se se vincula aos elementos que compõem o conteúdo do lançamento, o que se afere pelo art. 142 do CTN, está-se diante de matéria de mérito.

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