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terça-feira, 23 de junho de 2015

Castigo

dema

Quantas vezes procurei-te,
todas elas rejeitado,
não sabes quanto te amei,
nem me quiseste ao teu lado.
Sei que andavas à procura
de um amor sonhado tanto
pra saciar-te de ternura,
de riquezas e de encanto.
Tu correste mundo afora,
te entregaste a muitos braços,
e, ao que eu saiba, até agora,
com ninguém criaste laços.

De querer-te, desisti,
pois a vida é uma só
e depois do que sofri,
de ti sequer tenho dó.
Descobriste, no presente,
que tua sina é ter de amar-me,
mas meu coração não sente
mais amor para fartar-te.
Teu desprezo por mim, de antes,
há de ser o teu algoz,
já não quero, e doravante,
nem ouvir a tua voz.

Como a lua e as estrelas
se emprestando para a noite,
ter de amar-me sem me ter
te desejo como  açoite.
Quem sabe Deus tenha pena
e te livre do castigo,
na verdade, é quem condena
teu desdém para comigo.



quinta-feira, 18 de junho de 2015

Entidades absurdas

dema

Eis que se me apresentam duas questões que, por interligação, subsomem-se reciprocamente, equivalendo-se a apenas uma:
- a matéria se autotransforma na eternidade ou consiste na própria eternidade em mutação?
Encontro-me, ao que se me afigura, diante de suas realidades ou, mais propriamente, duas entidades:
- a matéria, enquanto concreta, objeto dos sentidos, com características múltiplas e próprias, tais como densidade, volume, peso e que, sob ótica micro ou macrocósmica, está em contínuo movimento/transformação;
- e a eternidade, como entidade abstrata, concebível (quase tão só) quando vinculada ao elemento temporal, para mensuração da contínua transformação da matéria, isto é, o cronos, ou desta distanciando-se pela essência conceitual da ausência de princípio e fim.
A realidade concreta, sujeita ao permanente vir-a-ser, terá tido um começo? Brotou num determinado momento da eternidade ou, com esta, coexiste desde sempre (se é que se pode falar em “desde”)? Na hipótese de ambas coexistirem ab semper, facultar-se-ia entender que não se distinguem, consistindo exclusivamente em características diferenciadas do mesmo “ser”. 
Por óbvio, não se coloca em reflexão aspecto religioso, sob pena de se imaginar (crer) Deus como eternidade incriada, substrato de toda existência, logo, criador da mutante matéria a partir do nada (sendo possível dizer-se “do nada”), dado o absurdo do admitir-se um ser autoexistente sem começo, mesmo porque característica imprescindível da perfeição; doutra feita, ter-se-ia que aceitar o absurdo da matéria eterna em contínuo processo de transformação, o que equivaleria a um panteísmo.
Absurda qualquer das concepções, o fato é que a realidade material é concreta, sensível ao ser racional. A (minha) mente não consegue distinguir entre os absurdos que correspondem à eternidade dessas entidades, aqui o limite da (minha) razão.
Não serão, outrossim, argumentos científicos que permitirão compreender o absurdo da eternidade, seja enquanto entidade abstrata, seja enquanto matéria com ela se confundindo, em transformação permanente.
Então, perco-me em conjecturas. Alguém responde?



sábado, 13 de junho de 2015

Vulcânica


dema

Súbito,
voluptuoso,
brota da crosta montanhosa
o vulcão jamais havido.
Em desarmônicos movimentos
(toda a terra treme)
e com sanha indomável,
irrompem língua, saliva, muco, suor e urro.
Sobre corpo ereto e assustado
derrama-se, quente, lava inesperada  
e um líquido rubro, abundante,
tinge, encharcando, os álveos, então rotos, lençóis de morim.
Não sabia ser a vida assim.
E mais... e mais... e mais...
Não sabia ser tão boa a vida assim.
Em seguida,
antes que desça a languidez,
Laura sorri,
demoradamente,
por primeira vez.



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segunda-feira, 8 de junho de 2015

A canção inebriante de Norah


                
  (Ouvindo Norah Jones)

dema


Numa sintonia doce e triste,
a canção de Norah
repercute em meu coração.
O rosto infantil faz-me jovem
e, tal se não passado,
sinto-me ansioso pelo futuro.
Estou a bailar de rosto colado,
a sentir seu hálito quente,
o corpo em chamas.
Sou todo hormônios.
Sozinho, surpreendo-me a sorrir,
como se ela haurisse
minha alma a transbordar amor.
Canta Norah!
Sempre suave, sempre terna.
Soul and blues,
o som de Norah
me embebeda,
já não respondo por mim.





terça-feira, 2 de junho de 2015

Singela

dema

Eu vou me mudar
pra beira do lago,
quero ver se trago
você junto a mim,
pra, nas tardes quentes
de verão, na rede,
com beijos e vinho,
matar minha sede.

De há muito pensei
na felicidade,
mas, passada a idade,
jamais a encontrei.
E a que serve a vida,
caso pouco amiga
ou sem o desfrute
da paixão antiga?

Quando a primavera
se esparzir de flor,
farei do barquinho
meu leito de amor.
Acaso aconteça
algum contratempo,
passarei ao largo
co’as velas ao vento.

Com toda certeza,
inveja haverá.
Partindo de amigo,
será uma beleza,
já fica o convite,
vir junto comigo,
com ou sem palpite,
essa vida brindar. 



demaisilva