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segunda-feira, 31 de março de 2014

Ilusão


dema

Se, de alguém, a ilusão bate à porta
e, bem vinda (o que importa),
aos demais, como resto,
com ou sem protesto,
se opõe e detona.
Imediato prazer, um querer
que não finda,
arraiga-se e, aos poucos, emerge à tona.
Oh que loucos
desejos, sandices,
sim, veras tolices:
voar, voar, voar,
voar como
liberdade ébria no ar,
mente em zigue-zague a planar,
compondo as ideias vazias
um segundo tomo
que não mais se via.
A mim sempre tive que um bem
por sereno que a outrem pertença,
em mão dupla, decreta a sentença:
─ que o ônus se imponha também!
Viver a dois,
pra viver a dois,
sempre o antes igual ao depois.
Ilusão quebra o elo,
cria paralelo.
O que a acolhe, coisa não rara,
quebra a cara,
quebra a cara.

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Uma mão, uma vida!


Regis Ribeiro 


Em tudo, há que ter vida:
Na mão que faz um colar e naquela mão estendida
Na pedra fina da pérola, naquele olhar que acredita
Na mente de quem olha e vê o fino fio de vida.

Na água que molha o peito e até na dor incontida
Daquele que está a sentir um leve sinal de vida
No filho ao lado da mãe, na doação sem medida
Na força de uma união, há, sim, que se ver a vida.

Às vezes há de chorar, mesmo forte o seu sentir
Há um momento na vida, em que a morte não pode vir
Uma vida quase a ir e outra vida a impedir.

Há uma alma a chorar, ao ver um sinal da partida
Há que ter fé no lutar, mesmo difícil a saída
Há que haver u’a mão segura, a segurar outra vida...



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domingo, 30 de março de 2014

Lamento da alma

dema,

na voz de Jorge Lima, grande prosador de nosso sarau "Gotas Poéticas".
*O poema é de dema e o video é de Jorge.

sábado, 29 de março de 2014

Dúplice

dema

Se alguém me acha santo, acertou.
Se diabo, também.
Prova de santidade encontra.
De “diabice”, só eu.
Afinal, já não sei o que me seria melhor:
santidade arrebata, mas afasta;
“diabice” atrai.
Lugar de santo é no céu.
De diabo, é na cama.
Ao que saiba, há mais diabas que santas.
E quantas!
O imediato excita mais que o mediato.
Quem sabe nos endiabemos antes e
louvemos a Deus depois!

terça-feira, 25 de março de 2014

Tábula rasa

dema

A folha nívea clama presença.
Reluto. Dou tempo a quem teima
em manter ausência, o tema.
Prostituto, pestana queima,
causa dilema:
insistir ou desistência?
Penso o amor, a flor, a presença,
a saudade, o ódio, a indiferença.
Palavras insípidas, opacas, árticas,
xucras, longevas, glaciais antárticas.
Um pote quebra-se na mente
espalhando ideias a correrem céleres.
Banham-me e se vão.
Nenhuma semente fecunda
no solo árido do pensamento.
Consome-se a vela à minha frente,
inutilmente. Não me lança uma centelha.
Sou ponto escuro na escuridão,
abelha sem mel, escorpião sem ferrão,
vaso fútil, planta desnuda...
quem me dera a mente de Neruda!
Sou a voz branca, sem timbre algum,
sou ninguém, tão só mais um.
Tamanho brilho no plano-corpo vazio,
por que me olhas tão insistente?
Que queres de mim,
Não vês que a te dar nada tenho?
Ora, meu coração é rocha pura,
nem amor, nem amargura.
Tábula rasa, quão me espancas!
Não sou mais que a brisa
a soprar do mar.
Das mãos nenhum rabisco.
Destes olhos nem um cisco
fará lágrima a te sujar.
Se desejas ficar à toa,
por favor, voa!


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sexta-feira, 7 de março de 2014

Flagrante...

(dema)


Esbaforido e feliz, ele chega em casa. Salta rapidamente do carro, que nem tranca, e voa para dentro. Não fora à viagem programada. Pensando ir logo dar a notícia à mulher e abraçá-la, corre para o quarto. Empurra a porta apenas escorada e vê que dois corpos se enroscam sob o virol. Instintivamente o puxa e deixa a descoberto um homem nu “bombando” entre duas pernas dobradas e entreabertas.
─ Êpa, meu Deus!
─ Ah, Zé ─ volta-se o macho ─ sei que você não se importa mesmo com sua mulher!
O sangue sobe-lhe às ventas e, à força, Zé arranca aquele intruso de sua imaginada exclusividade.
O “amigo” escapa e corre pelado em direção à rua.
Há uma mureta de aproximadamente um metro de altura em frente à calçada. Zé o persegue e quando o fugitivo vai saltá-la, tenta segurar-lhe os pés. O homem bate com a têmpora no meio-fio e um jato avermelhado, borbulhante, forma rapidamente a poça que lhe encharca os cabelos. Ali, nu, de bruços, resta imobilizado.
Zé volta ao quarto. Agora, em desespero, a esposa clama por perdão.
Com brutalidade, toma-a pela barriga, arranca-a da cama e, por trás, dobrando-lhe a cabeça até os joelhos, procura, repetidamente, esmagar-lhe o crânio no chão.
Súbito, outra ideia. Larga-a. Dirige-se ao criado de cabeceira, pega o trinta e oito, carregando-o com sete cartuchos.
─ Vou é lhe matar, sua puta!
Enquanto isso, ela escapa. Chega à porta da rua e embrenha-se por um terreno baldio com mato baixo, que se abre à frente.
Pá, pá, pá. E ela cai. Um tiro acertara-lhe a coxa. Levanta-se, arrastando a perna direita, volta o pescoço com os olhos esbugalhados e torna a correr, agora mancando, para escapar da morte.
Pá, pá, pá. E ela cai novamente.
Zé chega. Sobra-lhe uma bala. Encosta a arma na cabeça da esposa. Ela não se mexe, sequer um balbucio de perdão. Ofegante, aguarda o tiro fatal.
─ Deveria matá-la, sua puta sem vergonha, mas se o fizer, você não vai sofrer nada!
Com o terror estampado na face, a rameira vê o Zé cheirar o cano do revolver e, em seguida, enfiá-lo na própria boca: pá. E o baque surdo do corpo caindo ao chão.
Ao redor, um menino de doze anos e duas meninas mais novas, todos com a mochila da escola às costas, presenciam o trágico desfecho:
─ Mãe, o que aconteceu?

quinta-feira, 6 de março de 2014