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domingo, 3 de maio de 2009

CONSELHO

DEMA
Por que chorar a noite?
Pensa-a tanto tagarela?
Ou por quanto surra ela
o presente com açoite?
Memórias que a luz do dia
não permite deslumbrar
trazem à tona este palpite:
do convés jogar-se ao mar.
Melhor seria não ter
a lamentar o que se foi
no curso da existência:
mesquinhez do ex-vir-a-ser.
Noite que a tudo alonga,
- curta noite -
adormece o que há de vir,
entorpece o devenir.
Um pouco de sol sobre o viver,
raio de luz abocanhando as trevas!
Um dedo de Deus, quiçá,
pra noite novo paladar!
Pensar o ser ao léu da vida,
jurar amor pro que será,
medir co'espaço a esperança,
saltar na pressa de chegar!

O CHAZINHO DA FREIRA

Autor:Afonso de Sousa Cavalcanti
E-mail:afonsoc3@hotmail.com
Conversa vai, conversa vem, e a novela das oito, da Rede Globo de televisão, terminou. Edertrudes observou Reginaldo, já no cochilo, e lhe disse lembre mais: é um chazinho porrete para tosse, resfriado, rouquidão e mal olhado.
Reginaldo arregalou os olhos por que discordava da conversa de Edertrudes que foi logo dizendo:
- Antes de você ir dormir, irei preparar o chazinho milagroso que nos ensinaram no encontro de casais. Acredito que você nem se recorda mais dele. É um chá milagroso, um santo remédio. Reginaldo responde em tons de descrença e contraria os interesses de Edertrudes:
- Mal olhado, que nada! Acredito mesmo é no poder de uma boa injeção, seja lá do que for. Chá é coisa do passado, de gente que não conhece a ciência.
Possivelmente o velho estaria equivocado. Discordar de algo que ainda não conhecemos é de fato uma atitude impensada e indelicada. Não é só do conhecimento científico que a humanidade viveu até hoje. Sabe-se que a pessoa humana está no Planeta Terra num tempo superior a quarenta milhões de anos. O homo sapiens vem fazendo sua história há mais de um milhão de anos. Na qualidade de cientista mesmo, de sábio experimentador, o ser humano completou quinhentos anos e não faz muito tempo, pois sua história foi marcada com o Renascimento, com a Revolução Científica, século XV. Os milhares de anos para trás são testemunhas de que muitos chás foram feitos e estes tinham uma finalidade.
Chega de desviar a conversa! Vamos buscar a Vovó para que ela nos ensine as técnicas e o segredo do chazinho da freira.
Vovó caminha para a cozinha e pede para Carlinhos, por sinal o neto mais obediente, para que vá ao quintal e traga de lá um pouco de rama de erva doce e de eucalipto.
O rapaz mais que depressa ajeitou os pedidos de sua avó e voltou para o computador, onde consultava alguns sites sobre gastronomia e engenharia da comunicação – campo, aliás, que ele gosta muito.
De posse das folhas de eucalipto, da rama de erva doce, do pote de mel, de outros ingredientes e ferramentas, Edertrudes começou a ensinar a receita:
- Primeiro toma-se uma chaleira de alumínio e coloca nela a quantia de água desejada – aproximadamente de 100 a 150 ml por pessoa. Leva-se ao fogo para ferver. Enquanto a água ferve, aquele que irá fazer o chá, toma uma faca de cozinha, ajeita seu fio (corte ou amolação) e começam os preparativos. Os ramos de erva doce e as folhas de eucalipto devem ser postos sobre uma tábua de cortar carne. Os ingredientes devem ser cortados em cruz. Enquanto corta, aquele que faz o chá precisa pensar profundamente na animação dos vegetais que estão sendo sacrificados. Os vegetais possuem uma alma que faz parte de sua origem. Neles está contido o poder da cura e não precisa ser cientista para saber disto. Os vegetais têm esta propriedade, por sua própria natureza. O que nós precisamos fazer é escolher bem qual vegetal iremos usar e para que serve a nossa escolha.
Edertrudes é interrompida pela cozinheira da família, Terezinha. Esta, quando percebeu que a velha foi para o fogão, depressa saiu de seu quarto e veio ver o que estava acontecendo na cozinha. Foi logo falando à antiga patroa:
- Dona Edertrudes, por favor! Vou-lhe fazer o chá pretendido...
Mas a velha interrompeu a empregada e não deixando que ela a interrompesse, foi falando:
- Estou realizando uma tarefa singular. Quero ensinar que a fé nos elementos da natureza tem grande valor. As plantas medicinais têm nelas o poder da cura. Vou cortar a erva doce e o eucalipto em cruz porque penso em nome daquele que morreu na cruz e mais, ele é unidade com seu Pai que é o criador do mundo. Tudo veio dele e para ele irá retornar. O corte em cruz é mais forte ainda porque, sendo as ramas dos vegetais bem finas, cortando-as em cruz, estas ficarão mais sensíveis à força da água fervendo, no momento de se fazer o chá.
Neste momento a gente olha a velha que fala com sabedoria, mas que também não perde a pose de saber pilotar bem o fogão. O chá é mais gostoso, mais proveitoso, quando é feito com cuidado. A velha sabe o que está fazendo e então vamos dar crédito a ela. Novamente ouvimos Edertrudes:
- A água está pulando na chaleira. É hora de aprontar o chá. Os ingredientes estão cortados e devem ser postos dentro de uma caneca de alumínio. Primeiro, coloca-se a erva doce, depois o eucalipto. A água será despejada bem de perto para que não perca a fervura e possa cozinhar bem as ervas cortadas. Em seguida, tapa-se a caneca com o fundo da chaleira, de tal forma a não permitir a saída do vapor que contém a essência das duas plantas – digamos as almas vegetativas que serão objetos da cura pretendida. Uma vez realizada a tarefa, antes de destampar a caneca, toma-se um limão e o corta em duas partes. Em seguida é só espremê-lo no chá quente e acrescentar um pouco de mel ou de açúcar, de forma a adoçá-lo adequadamente. O chá está pronto para servir.
Os presentes na casa ficaram interessados no chá da vovó e vieram á cozinha experimentá-lo. Mais do que depressa queriam prová-lo. A velha trancou a passagem que levava para a pia da cozinha e foi ensinando:
- Todos vamos tomar o chazinho da freira, mas juntamente com ele precisamos completar o restante da receita. Recomenda a receita que o chá terá maior efeito se for acompanhado de uma boa ascese: a reza do terço.
Sobre este ensinamento, o pessoal da casa ainda não tinha ouvido de ninguém.
- Tomar chá rezando o terço, disse Reginaldo, ora essa agora! Vou rezar porque não posso ir dormir sem tomar este bendito chá que está exalando um cheiro bom aqui na sala.
- A cada Ave-Maria e a cada Pai Nosso, toma-se um golo do chá. O resultado será visto amanhã e nos dias seguintes, disse Edertrudes.
Chazinho da freira. É a primeira vez que ouço dizê-lo. Tenho dificuldade em fazê-lo por não possuir as essências indicadas pela Vovó Edertrudes. De chá das freiras, apenas ouvi o professor de História Geral contando sobre o costume antigo. Para ele, os pais mandavam para o colégio algumas de suas filhas, aquelas que passavam da idade para se casar. Não tendo vocação, muitas dessas moças encontravam às escondidas com elementos de mau caráter e se engravidavam. As grávidas escondiam facilmente a barriga, dentro do hábito. Na certa não era só uma freira que se engravidava. O hábito era constante, de forma que a grávida recebia solidariedade das outras que já haviam experimentado a gravidez. O ditado diz que “com uma mão se lava a outra e com as duas se lava a cara”. Assim sendo, o dia de dar à luz chegava. A criança vinha ao mundo. O recém-nascido era posto na porta do convento. Uma irmã que já sabia do caso anunciava que uma criança nos foi dada na porta do Convento. Dizia às demais:
- É um presente de Deus. Deus não falha na sua bondade! Ele irá operar um milagre em um de nós. Vamos fazer um chá, o chá do Sagrado. Ao tomá-lo, renderemos graças a Deus pelo presente que nos foi dado e com fé. As almas dos vegetais contidas no chá irão fazer brotar o leite de peito em uma de nossas irmãzinhas. A que for abençoada por Deus tomará a criança e a amamentará para a graça de Deus.
O milagre já tinha acontecido: o filho já havia sido dado e não tardaria o leite jorraria e molharia o hábito da freira mamãezinha. Do mesmo modo que o leite jorrava no seio daquela freira sem vocação religiosa, a essência das ervas cortadas em cruz por Edertrudes também nos ajuda a entender que a fé em Deus também cura.

CAMINHANTE

DEMA
Seco o jardim das hespérides,
os pomos de ouro murchos
e Cupido, que fora buscar-me um fruto,
devorado.
Entrevejo aurora nova
num palco descortinando gosto de aventura,
perfume de tristeza.
Ando
sem virar-me sobre os rastros
pra não ver a estátua viva da felicidade morta
e não chorar.
Nas mãos, levo a despedida;
no peito, mágoa;
a mente, vaga.
Já passado o meio-dia,
rumo ao entardecer.
Peregrino no deserto,
pesado alforje, arriado dorso,
sem cajado, cambaleio
pela insossa trilha
da desesperança,
qual bêbado à procura da sobriedade.
Um roedor corre na idéia
com felino a mordiscar-lhe o rabo:
engraçado fato!
E a cristalina fonte no morro
é sulco na face lavada de lágrimas.
A caminho do crepúsculo,
vou só,
sob rigorosa seca lírica.
Ave!!!