domingo, 25 de outubro de 2015

Amor bumerangue

dema

Tantas vezes te foste, levando esperanças,
quantas estas brotadas de que voltarias.
Sonhos macabros, juras de eterna vingança,
mesmo estando acordado a fingir que dormia.
Ah, mil vezes te amei nos mil “quandos” partias,
dor sofrida de ausência das ternuras tuas,
reiteradas medidas do amor em fatias,
percebido tão forte em qualquer despedida.
Desérticos tempos a uma pobre alma nua,
suportados apenas por fé desmedida,
absoluta certeza de breve revinda
da donzela de branco, sempre, sempre linda.
Incontáveis se deram as volúpias, confesso,
no frenético expectar de cada regresso:

o abraço longo, o beijo  fremente,
as roupas rasgadas sobre o piso frio,
fora a ocasião, nunca assim macio;
corações aos saltos, almas canibais,
unindo-se em chamas de paixão demente.
Imagino, por fim, o medo que sentias,
de, no teu retorno, eu não te querer mais.
Sei, tinhas certeza, de que em certo dia,
deixaria, meu peito, de acolher teus ais.
Bem recordo o instante em que de mim tiraste
o cristal de cicuta que me tombaria.
De um único gole, total a sorveste
e, num baque surdo, te quedaste fria.
Diante do espelho, hoje ainda contemplo,
tua imagem morta nas minhas meninas.
Só após um tempo, fecham-se as cortinas,
as íris castanhas, que aplaudem o momento.


http://www.demasilva.com.br/PINEDITOS/AMOR_BUMERANGUE.html

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Melhor me fora

dema

Por um eterno e fidalgo sonhar contigo,
melhor me fora, de ti, não ter mais sabido.
Angelical em juventude e formosura,
princesa-musa dos versos de todo dia.
Mesmo fadado a não ter outras aventuras
(naqueles idos, sequer imaginaria)
ou se vedado a não viver novos amores,
(confesso, em vida, não senti desses temores).
Canonizada, vez, tua imagem de ternura,
vê-se frustrada, então, minha alma sonhadora:
mui tristes olhos esperando por consolo,
beijo inocente e abraço forte duradouro.
Lembro do brilho chamejante das pupilas,
do murmurar palavras doces dos teus lábios
e da lascívia que me infernizava todo,
tal qual o escravo a venerar a dona amada.
Mas a notícia, no frigir de mil lembranças,
pôs água fria a derramar-me dissabores,
(pensar que amor sempre haveria entre nós dois),
espargiu cinzas na certeza e na esperança.
Tarde, talvez, pra rebrotar um coração,
que em longo à vida se amparara em deusa-ninfa,
hoje, vetusta, tal a bruxa má das lendas,
a envenenar-me para morte não serena.
Melhor me fora jamais tê-la conhecido;
não tê-la amado e não estaria assim sofrido.
É que, firmado, vejo em letras garrafais,
o confessar que a mim não ama muito faz.


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Quem sabe “Marte”?

dema


Margaridas dobram-se sobre as hastes.
Calor infernal.
Murchos, inclusive, meus pensamentos.
Pássaros querelam pelos tolos insetos,
dispensam  lagartas céleres em busca de paredes cobertas.
Domésticas “rapam” do serviço; as madames, na certa,
não voltam cedo do shopping.  (Do shopping?)
Verdade, surrupiaram a verba para as escolas de pau a pique.
Abarrotados, os cofres suíços e de Cayman recusam dólares sujos.
Apagam-se as centelhas restantes do matutino ataque de mísseis russos aos redutos bárbaros nas terras sírio-iraquianas.
Contêineres brancos cozinham, dia após dia, milhares de refugiados por ali.
Escravizadas meninas yazidis, fugidas de seus estupradores,
tentam expulsar os traumas para o espaço vazio em que fitam.
Faltam anjos para a guarda dos vivos.
Talvez estejam se dopando na América ou a abusar de coroinhas.
Ao capital pouco importa o regime, a ideologia.
E agora? Onde a propina para as eleições seguintes?
Se as instituições funcionam, rotulam-nas parciais.
Hospitais e postos já não atendem: doentes de mais e recursos de menos.
Deus, só de butuca: “imprestáveis!”.
Perdido nesse mundo abestado, eu. Você?
Quem sabe “Marte”!

sábado, 3 de outubro de 2015

Compromisso


dema

Hoje, novamente sábado,
dia de fazer poesia;
mas a seca corre brava,
sem capim, sem boi de guia.
Como falar de beleza,
com a cabeça assim vazia?

Não vou tratar de maldade,
de mentira, falcatrua,
muito menos da vaidade,
seja minha, seja sua.
Melhor, talvez, o silêncio,
se a pachorra continua.

Sem estro, musa, sem verso;
sem gozo, rima ou alegria.
Não que eu pareça perverso,
mas ora ocorre diverso,
do dia bom pra poesia.
Quem sabe eu me encontre imerso
no torpor da boemia.

Fica, contudo, o desejo
ou melhor, o compromisso:
batendo em mim a saudade,
dela farei bom ensejo,
para que não reste omisso,
perante a velha amizade.
Do modo como pelejo,
tanto quanto for preciso
darei , de boa vontade,
asas pra imaginação;
vou borrifar com poesia,
amanhã ou qualquer dia,
um texto do coração.